Dos números e equações à lógica das palavras. Esse foi o caminho intelectual traçado pela nova juíza titular da Vara do Trabalho de Joaçaba, Ilma Vinha (foto), que entrou em exercício nesta segunda-feira (15). Graduada em Matemática, a juíza formou-se em Direito em 1995. Pouco mais de um ano depois, passou no concurso para juiz substituta da 12ª Região. Em entrevista concedida à Ascom, que transcrevemos a seguir, a juíza tratou de diversos assuntos: reformas do CPC no processo de execução, banalização do dano moral, flexibilização da CLT, súmulas vinculantes. Sobre as súmulas, Ilma Vinha entende que a aplicação delas precisa ser acompanhada por entidades de classe, de juízes, advogados e dos representantes do Ministério Público, "inclusive para medir o seu alcance e evitar um amarramento ilegal dos juízes da base".
Ascom - O que motivou a senhora a querer ser uma juíza?
Ilma Vinha - Para ser bem sincera, nunca havido pensado em ser juíza. Por certo, a influência veio do meu filho, Hélio Henrique Garcia Romero, que é juiz do trabalho, desde 1993, atualmente titular da Vara de Brusque, numa situação inversa da habitual. Trabalhava no Banco do Brasil, desde 1979, pensando que iria me aposentar por ali. Com a instituição do Plano de Demissão Volunátria (PDV) em 1995, porém, a situação se tornou insustentável, sob a minha ótica. Então pedi demissão em julho daquele ano e fiquei desempregada, com 47 anos. Era graduada em Matemática e comecei a cursar Direito em 1990, tendo colado grau em janeiro de 1995. Desempregada, tinha de fazer alguma coisa para sobreviver, aliado ao fato de minha filha ainda cursar Medicina, à época. Daí, motivada pelo meu filho, comecei a estudar, fui fazendo todos os concursos que foram aparecendo, em diversos Estados, e tomei posse aqui em Santa Catarina em dezembro de 1996.
A senhora tem formação em Matemática, ou seja, deve ter facilidade para utilizar o raciocínio lógico. De que forma isso contribui na hora de decidir uma questão de Direito?
Toda experiência é útil e todo conhecimento é pouco no exercício da magistratura. Sempre é necessário estar se aprimorando, reavaliando conceitos e posicionamentos. Quanto a minha formação em Matemática, ajuda muito. A lógica matemática facilita o uso da dedução ou da indução do raciocínio utilizado na fundamentação de uma decisão, tornando-a mais simples e mais sintética. A proximidade com os cálculos também ajuda muito nas sentenças, na fixação do quantum, e principalmente na sala de audiências, na conciliação.
Uma das diferenças marcantes que se têm verificado entre os julgamentos de primeiro e segundo grau diz respeito ao valor das indenizações por dano moral. Não é raro observar, por exemplo, os juízes da corte reduzirem em seus acórdãos os valores arbitrados pelos magistrados de primeiro grau. Na opinião da senhora, por que isso ocorre? E já aconteceu de a senhora ficar inconformada por alguma sentença sua ter sido reformada?
Não tenho conhecimento de dados estatísticos sobre o tema, nem faço idéia do percentual de redução dessas reformas. Tenho conhecimento de um ou outro caso isolado, não sendo possível emitir uma opinião balizada a respeito. Partindo da idéia que isso possa estar ocorrendo, creio deva ser em decorrência da banalização dos pedidos de dano moral. Assim, fica difícil estabelecer um parâmetro para os reais casos de dano. Por certo, já tive diversas sentenças reformadas, tanto num sentido como noutro, e já houve casos de eu entender que a minha decisão estava mais conforme à realidade dos fatos. Todavia, como as questões de Direito não são resolvidas como uma equação matemática, comportam sempre mais de um entendimento/resultado e isso faz parte das regras do jogo. Não há razão para ficar inconformada por muito tempo.
A Lei 11.232/05 introduziu modificações no CPC no que diz respeito à execução no processo cível. Algumas delas também têm sido aplicadas por juízes do trabalho, como a dispensa da citação na fase de execução nos casos de sentença líquida (se o processo é sincrético, entende-se que a citação já foi realizada na fase de conhecimento). Muitos juristas (Manoel Antônio Teixeira Filho, por exemplo) entendem, no entanto, que os juízes estão atropelando o art. 769 da CLT e aplicando tais dispositivos mesmo quando não há omissão. Como a senhora tem interpretado essas inovações? São aplicáveis ao processo do trabalho?
Nesse ponto, acompanho Manoel Teixeira Filho. Muitas das alterações havidas no CPC seguiram o modelo do processo do trabalho, pela sua simplicidade. Não vejo razão para complicar o nosso processo, aplicando regras do processo civil, quando há disposição expressa na CLT. A excessiva pressa e o apego à novidade, muitas vezes, servem para emperrar em vez de tornar célere o andamento processual, na medida em que podem dar origem a diversos recursos, desnecessários. Entendo que as inovações só devem ser aplicadas quando não houver disposição a respeito da matéria na CLT, seguindo o que está escrito no art. 769, porque o nosso processo é especial, contempla, numa mesma ação, uma série de pedidos, dependendo de liquidação de sentença, bem diverso dos processos da Justiça Comum, onde, na maioria das vezes, é pedido único em quantia certa.
A senhora entende que deveria existir uma legislação trabalhista específica para as pequenas empresas, na medida em que muitas delas não conseguem suportar o rigor da CLT, originalmente criada para conter a superexploração do trabalho de 60 anos atrás?
Já cheguei a pensar que sim, que deveriam ter tratamento diferenciado quanto à legislação trabalhista aplicável. Hoje, todavia, penso que não, porque haveria discriminação dos empregados de uma para outra empresa. Não são eles que devem pagar esta conta, até porque, na base, os problemas enfrentados pelos empregados e empresas não diferem muito de 60 anos atrás. O Estado é que deve dar condições diferenciadas às pequenas empresas, no tocante aos tributos, a fim de compensar a diferença de capacidade econômico-financeira.
Muitos economistas entendem que a flexibilização da legislação trabalhista poderia trazer para formalidade muitos trabalhadores que se encontram, hoje, excluídos do manto protetor social. Outros dizem que isso seria uma forma de precarizar ainda mais as relações de trabalho, acentuando a desigualdade de renda no País. O que a senhora pensa disso?
Essa é uma discussão que, no meu entender, deve ser vista com cuidado, porque há interesses que não se sabe exatamente quais são. Quem defende a flexibilização não dá mostras de estar preocupado com o reflexo social. De outro lado, a renda efetiva do trabalhador já está muito flexibilizada, basta ver o salário-base das diversas categorias de trabalhadores, e nem por isso se vê a devida inserção social.
Todavia, penso que a CLT devesse ser mais enxuta. Por exemplo, acho absurdo o artigo 467. Se o réu contesta os pedidos, mentindo, pela controvérsia estabelecida, não é cabível a sanção ali imposta. Se o réu é leal e reconhece que não pagou as verbas rescisórias, por motivo relevante, a exemplo de falta de condições financeiras, mesmo assim aplica-se o acréscimo. Outra condição que considero um contra-senso é a possibilidade de desconto do período do aviso prévio nos pedidos de demissão ( § 2º, art.487), sendo que nas dispensas por justa causa não se cogita do desconto. Ou seja, é mais vantajoso ser dispensado por justa causa, por abandono, que pedir demissão...
O Supremo Tribunal Federal vem editando uma série de Súmulas Vinculantes a respeito de variados temas do Direito, inclusive o Direito do Trabalho. Na opinião da senhora, essas súmulas enfraquecem o princípio do juiz natural, na medida em que limitam a independência de julgamento dos magistrados de primeiro grau, ou foi uma medida necessária para tentar racionalizar o trabalho dos ministros do STF, que acabavam tendo que julgar inúmeras vezes uma mesma questão?
Na atual conjuntura, penso tratar-se de medida necessária para racionalizar o trabalho nos tribunais superiores. Todavia, a edição de uma súmula tem que ser muito bem pensada para não gerar um efeito inverso, a exemplo da recente súmula que trata da base de cálculo do adicional de insalubridade. A meu ver, gerou mais dúvidas que pacificação da matéria. Assim, as entidades de classe, de juízes, advogados e dos representantes do Ministério Público têm um papel importante no acompanhamento destas súmulas, inclusive para medir o seu alcance e evitar um amarramento ilegal dos juízes da base.
Fonte: Ascom TRT/SC
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