Magistrada foi a primeira juíza do trabalho negra a atuar em Santa Catarina. Confira entrevista ao final do texto
A desembargadora Maria Aparecida Caitano participou, nesta quarta-feira (29), de sua última sessão de julgamento na 4ª Câmara do TRT-SC. No próximo dia 26 de fevereiro, ela completa 70 anos e será obrigada a se aposentar, conforme prevê a Constituição Federal.
A magistrada fez história na Justiça do Trabalho de Santa Catarina. Foi a primeira juíza negra da jurisdição e também a ocupar uma cadeira de desembargadora no Tribunal.
Um feito que ganha realce quando se descobre sua origem. Paranaense de Cambará, os pais, agricultores, foram para São Paulo quando ela tinha apenas dois anos. Lá, o pai fez de tudo um pouco: motorista, pedreiro e carpinteiro. A mãe trabalhava como cozinheira.
Para propiciar uma vida mais confortável aos pais, Caitano mergulhou fundo nos livros. Com bolsas de estudo, frequentou colégios particulares nos ensinos médio e fundamental, dividindo seu tempo com os afazeres domésticos que compartilhava com o pai e o irmão. Isso porque sua mãe voltava do trabalho apenas nos fins de semana.
Em meio às dificuldades, passou no vestibular e graduou-se em Direito pela Faculdade do Largo de São Francisco, da Universidade de São Paulo (USP). Em 1987, tornou-se juíza do trabalho, ascendendo ao Tribunal em 2008. Também possui mestrado em Direito pela USP, concluído em 2002 sob a orientação do jurista Sérgio Pinto Martins.
Direito sem circunstâncias
A desembargadora possui uma legião de admiradores no TRT-SC. Não à toa, recebeu, ao final de sua última sessão, uma homenagem de servidores que trabalham ou já trabalharam com ela. A colega Mari Eleda Migliorini fez um emocionado discurso. “Como juíza, Maria Aparecida Caitano aplicou o Direito como ele é, sem nunca se deixar levar por tendências ou qualquer tipo de circunstância. Na vida pessoal, é uma mulher encantadora e uma amiga para a vida inteira”, disse a magistrada.
No início da sessão, a desembargadora Maria Aparecida fez um breve resumo de sua atuação no Tribunal, contabilizando participação em mais de 20,3 mil processos em cinco anos. “Não houve fardo, mas muita vontade e amor pelo meu trabalho”, concluiu. No mesmo dia de sua última sessão, a magistrada ainda encontrou tempo para responder, por e-mail, a cinco perguntas formuladas pela Assessoria de Comunicação do TRT-SC. Confira:
A senhora gosta muito de uma frase do nobel de economia Amartya Sen: "Lutar já é uma forma de vencer". Ela resume bem sua vida?
Não diria que ela resume, mas retrata o meu jeito de ser: coerência, determinação e comprometimento com minhas escolhas.
A senhora dedicou 27 anos de sua vida ao Judiciário Trabalhista. O que melhorou e o que piorou nesse período?
Do ponto de vista técnico-funcional, melhoria crescente com mais eficiência e acessibilidade. Do ponto de vista humano, priorização do individualismo. A virtualização tende inexoravelmente para o isolamento humano. Nesse sentido, lamentavelmente, acredito que piorou.
O Judiciário foi modificando a senhora ao longo dos anos? Em que aspectos?
Claro, não há dúvida de que todos sofrem mudanças com o passar dos anos. Comigo, não poderia ser diferente. Na vida judicante, experiências foram se somando e me fazendo uma pessoa melhor (assim, acredito) para ouvir, sentir e compreender o outro.
A senhora estudou na Faculdade do Largo de São Francisco (USP), uma das principais - senão a principal - instituições de ensino do Direito do país. Na época, não havia cotas para afrodescendentes. Qual a visão da senhora sobre cotas raciais nas universidades públicas?
As cotas raciais, como resultado de ações afirmativas, constituem, no meu pensar, medidas paliativas, mas jamais suplantaram as distorções históricas porque condutas discriminatórias continuarão. Melhor seria se a escola pública de base oferecesse ensino de qualidade para que todos disputassem as vagas nas universidades p úblicas em igualdade de condições.
Já tem planos para aposentadoria?
Sim. O meu plano primordial é não ter planos. Prefiro viver o hoje ao sabor dos frutos colhidos no passado. O futuro? Uma incógnita.
Fonte: Assessoria de Comunicação Social - TRT-SC
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