Para o presidente do TST, Carta de 1988 consolidou a proteção ao trabalho e segue como referência contra novas formas de precarização
Promulgada em 5 de outubro de 1988, a Constituição da República elevou ao patamar constitucional garantias como férias de 30 dias com adicional de um terço, 13º salário, jornada máxima de 44 horas semanais, FGTS e licença-maternidade. Ao blindar esses direitos contra retrocessos, a Carta consolidou uma tradição iniciada décadas antes pela CLT e reafirmou a proteção ao trabalho como compromisso estrutural da República. “A Constituição da República não pode ser apenas um instrumento de retórica. Ela tem que ser, de fato, o pacto social e político de 1988 transformado em realidade para todas as pessoas”, afirma o presidente do Tribunal Superior do Trabalho, ministro Vieira de Mello Filho.
Um arranjo colocado à prova
O pacto de 1988, no entanto, é continuamente testado. A expansão das plataformas digitais e o avanço da “pejotização” reorganizaram atividades e abriram espaço para vulnerabilidades que colocam à prova a rede de proteção constitucional. “Quando um jovem motociclista morre em serviço, sua família fica sem proteção. Muitas vezes, se torna monoparental, capitaneada por uma mulher em situação de vulnerabilidade. Esse drama precisa ser visto”, ressalta o presidente do TST. “Sem a rede protetiva da CLT e da Constituição, estamos formando uma geração condenada à invisibilidade social.”
O fenômeno não se limita aos aplicativos. Vieira de Mello Filho cita também os caminhoneiros, que, após a desregulação do setor, tornaram-se autônomos e passaram a trabalhar em regime de competição. “O frete é ‘gamificado’: quanto mais rápido, maior a remuneração. São pais de família tentando garantir sustento, mas assumindo riscos que antes eram regulados pela lei.”
A fragilização dos sindicatos agrava o quadro, segundo o ministro. Sem representação coletiva forte, categorias perdem capacidade de negociação, e salários deixam de refletir conquistas históricas.
Lições que atravessam séculos
As inquietações do presente vêm de longe. Em 1891, a encíclica Rerum Novarum (“Das Coisas Novas”, em latim), sobre a condição dos operários, o Papa Leão XIII denunciava a superexploração de homens, mulheres e crianças. Mais de um século depois, ao adotar o nome Leão XIV, o novo Papa sinalizou para uma retomada dessa tradição de justiça social.
Para Vieira de Mello Filho, os paralelos são evidentes. “O novo Papa alerta o mundo: agora é a Rerum Digitalium, que precisa ser reconhecida, porque a exploração voltou da mesma forma. O que se vê hoje são crianças em bicicleta fazendo entregas, menores de 14 anos. Ninguém fala nisso.”
É nesse ponto que o ministro destaca a função institucional da Justiça do Trabalho: dar visibilidade a quem muitas vezes permanece ignorado. “A Justiça do Trabalho vê essas pessoas. E é por isso que tantas vezes é alvo de resistência.”
Trabalho, capital e economia
Para o presidente do TST, a Constituição de 1988 não é apenas um compêndio de direitos. É também fundamento para a prosperidade do país. “Os países do mundo que todo mundo elogia são aqueles em que a desigualdade é a menor possível”, observa. “País desigual não cresce. A riqueza da nação é construída pelo trabalho e pelo capital. Quando esses dois estão ganhando proporcionalmente, com certeza o futuro do país é muito melhor.”
O raciocínio, segundo ele, se comprova no cotidiano. “O que é produzido em termos de decisão judicial para os trabalhadores volta imediatamente para a economia, porque o trabalhador não põe dinheiro na poupança: ele compra comida, veste os filhos, melhora a casa. Esse dinheiro retorna para os empregadores.”
É nesse contexto que Vieira de Mello Filho cita a Semana Nacional da Execução Trabalhista, realizada em setembro como parte do calendário oficial da Justiça do Trabalho. “A arrecadação foi de R$ 8 bilhões que voltaram para a sociedade.”
Um pacto em movimento
Mais de três décadas e meia depois de promulgada, a Constituição da República permanece como farol da vida democrática e da proteção ao trabalho. Ao blindar conquistas históricas, instituiu um patamar civilizatório mínimo e projetou um horizonte de equidade que ainda desafia o país.
Mais que uma lembrança da redemocratização, a Constituição de 1988 permanece como um pacto em movimento, continuamente testado pelas transformações no mundo laboral, mas reafirmado na prática cotidiana da Justiça do Trabalho, que o converte em realidade para milhões de brasileiros.
Como destaca o presidente do TST, os novos desafios não autorizam uma espera passiva por um futuro que “a Deus pertence”. Eles exigem a consciência de que o que vem pela frente se constrói no presente, nas escolhas institucionais e coletivas que fazemos hoje. São essas escolhas que podem renovar o fôlego da Constituição - ou sufocá-la.
Texto: Bruno Vilar (Secom/TST)
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