Colegiado considerou que poder de comando do empregador não pode estar acima de direitos mínimos de dignidade do trabalhador
Em circunstâncias que colocam o direito à dignidade em risco, o poder de comando do empregador é restrito. O entendimento é da 5ª Câmara do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região (SC), em ação na qual uma empregada dos Correios, mãe de uma jovem com grave doença degenerativa, solicitou permanecer em teletrabalho para garantir os cuidados necessários à filha.
O caso aconteceu em Florianópolis. A autora, responsável por responder à seção “Fale com os Correios”, foi instruída pela empresa a retornar ao trabalho presencial em agosto de 2022, após exercer suas atividades remotamente desde março de 2020, em razão das medidas sanitárias para prevenir o contágio pela covid-19.
Descontente com a orientação, a mulher procurou a Justiça do Trabalho. Ela argumentou que sua filha é portadora da Síndrome de Werdnig-Hoffman, Amiotrofia Muscular Espinhal (AME) tipo II, uma severa condição neuromuscular degenerativa, e que a permanência em casa seria crucial para assegurar os cuidados necessários à jovem.
Uma testemunha, técnica de enfermagem que cuidou da menina, declarou que a presença constante da mãe é essencial não apenas para minimizar riscos de contágio de enfermidades, "mas também em virtude do suporte emocional para alguém enfrentando um sério quadro de saúde degenerativo".
Cuidados imprescindíveis
Em primeiro grau, a juíza Indira Socorro Tomaz de Sousa, da 5ª Vara do Trabalho de Florianópolis, acolheu o pedido da reclamante. A magistrada apontou a gravidade da situação, ressaltando o papel imprescindível dos cuidados contínuos conferidos pela mãe.
Indira Sousa fundamentou a sentença nos artigos 75-C, parágrafo segundo, e 75-F da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), segundo os quais o teletrabalho deve ser concedido, prioritariamente, a empregados com filhos ou criança sob guarda judicial até quatro anos de idade.
Condição de ser humano
Insatisfeitos com a decisão, os Correios recorreram, alegando que a determinação de retorno ao trabalho presencial atende ao poder diretivo do empregador. A empresa também levantou a trajetória de mais de três décadas da funcionária em regime presencial e a possibilidade financeira de contratar profissionais qualificados para o cuidado da filha.
Entretanto, na 5ª Câmara do TRT-12, a desembargadora Ligia Maria Teixeira Gouvêa, relatora do caso, manteve a decisão. Ela mencionou princípios constitucionais, como a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho, para ressaltar a necessidade de manter a empregada em casa.
Citando o artigo primeiro da Constituição Federal, a desembargadora sublinhou que “a atividade produtiva não consistirá em mero instrumento do alcance de resultados, tampouco representará empecilho para a realização de direitos mínimos que garantem ao trabalhador o respeito à sua condição de ser humano”.
Ligia Gouvêa concluiu o acórdão ressaltando que o “trabalho realizado pela empregada em sua residência não compromete o resultado esperado das atividades laborais”, não havendo, portanto, razões para negar o pedido.
Não há mais prazo para recurso.
Número do processo: 0000653-67.2022.5.12.0035
Texto: Carlos Nogueira
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