"Legislação trabalhista específica para pequenas empresas pode gerar subclasse de trabalhadores"

Opinião é da juíza Lourdes Dreyer, nomeada recentemente como juíza togada do TRT/SC

17/04/2008 13h21

Ato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, publicado na quarta-feira (16) na primeira página da Seção 2 do Diário Oficial da União, nomeou Lourdes Dreyer para o cargo de juíza togada do Tribunal Regional do Trabalho de Santa Catarina. Ela vai ocupar a vaga deixada pela aposentadoria da colega Ione Ramos, uma das mais respeitadas e admiradas magistradas da Justiça do Trabalho catarinense.

Promovida pelo critério de merecimento, Lourdes Dreyer ainda não sabe quando vai tomar posse. A nova juíza togada do TRT/SC, que durante nove anos exerceu a titularidade da 2ª Vara do Trabalho de Florianópolis, é gaúcha de Porto Alegre. A maneira cândida e tranqüila de falar e de receber as pessoas contrasta com posições firmes e bem definidas. É o que se pôde constatar nesta entrevista concedida pela magistrada à Assessoria de Comunicação Social do TRT/SC.

Ascom TRT/SC: O que motivou a senhora a querer ser uma juíza?

Lourdes Dreyer: Esta é uma história antiga. Remonta ao primeiro concurso prestado para trabalhar na Justiça do Trabalho, após a conclusão do segundo grau. Foi necessário estudar legislação, especialmente artigos da CLT. A identificação com a matéria foi imediata. O passo seguinte foi prestar o concurso vestibular para o curso de Direito. O tema das relações sociais, seus conflitos, formas de soluções, avanços da legislação trabalhista visando à proteção do trabalhador, tudo passou a fazer parte do meu cotidiano.


Os juízes de primeiro grau costumam ter um contato mais direto com as partes, em razão das audiências. No segundo grau, isso quase desaparece por completo. Esse afastamento beneficia ou prejudica o convencimento do magistrado ao decidir uma causa?

São situações diferentes de examinar uma causa. As duas formas são válidas e igualmente importantes. Realizar as audiências, ouvindo os interessados e suas testemunhas, é um trabalho muito arrebatador. É preciso envolver-se no conflito de forma a extrair a verdade mais próxima da realidade, daquilo que realmente ocorreu no desencadear das relações profissionais. Para tanto, busca-se a melhor maneira de formular os questionamentos para obter uma resposta mais isenta, mais próxima do que sucedeu no terreno dos fatos. O objetivo é aplicar, da melhor forma, a regra legal com justiça.

No segundo grau a atuação é revisional. Ou seja, com os elementos obtidos pelo juízo de primeiro grau através da instrução processual, reavalia-se o exame da prova e o enquadramento legal dado à solução do litígio. Toda e qualquer pessoa está sujeita a cometer equívocos quando utiliza seu raciocínio, de forma lógica ou dedutiva, na interpretação de determinada situação. Por esse motivo o legislador estabeleceu o duplo grau de jurisdição, justamente para possibilitar que o julgamento de uma demanda possa passar por uma reavaliação, podendo ser ratificado ou não.

Uma das diferenças marcantes que se têm verificado entre os julgamentos de primeiro e segundo grau diz respeito ao valor das indenizações por dano moral. Não é raro observar, por exemplo, os juizes da corte reduzirem em seus acórdãos os valores arbitrados pelos magistrados de primeiro grau. Como a senhora analisa essa questão?

Tanto a redução quanto a majoração dos valores arbitrados a título de indenização ocorre no segundo grau. Não há uma tarifação, uma tabela, para enquadrar determinado dano em determinada margem de valores. A legislação estabelece que a indenização deve ser medida pela extensão do dano. O juiz dispõe de regras técnicas para valorar o que seria uma indenização justa, que não cause o enriquecimento sem causa do ofendido nem se torne causa de ruína para o ofensor. É preciso atentar que essa matéria só veio para a competência da Justiça do Trabalho em data recente, daí a dificuldade ainda encontrada em uma maior uniformidade nos valores atribuídos.

A Lei 11.232/05 introduziu modificações no CPC no que diz respeito à execução no processo cível. Algumas delas também têm sido aplicadas por juízes do trabalho, como a dispensa da citação na fase de execução nos casos de sentença líquida (se o processo é sincrético, entende-se que a citação já foi realizada na fase de conhecimento). Muitos juristas (Manoel Antônio Teixeira Filho, por exemplo) entendem, no entanto, que os juízes estão atropelando o art. 769 da CLT e aplicando tais dispositivos mesmo quando não há omissão. Como a senhora tem interpretado essas inovações? São aplicáveis ao processo do trabalho?

As alterações introduzidas no Código de Processo Civil seguem um processo paulatino de reformas daquelas normas. Na minha opinião, as reformas introduzidas no CPC aproximaram mais o procedimento civil do trabalhista, pois várias das formas utilizadas no processo do trabalho por longos anos, e que sempre se mostraram eficazes, acabaram sendo introduzidas no processo civil, como a citação por via postal por exemplo.

Tornar o processo civil sincrético significa unificar as fases de conhecimento e de execução dos títulos executivos judiciais nos mesmos autos, assim como sempre foi feito no processo do trabalho. Por outro lado, certas atualizações do processo civil o tornaram mais moderno, como é o caso da desnecessidade de citação do devedor na fase de execução, bastando a simples intimação do respectivo advogado. No entanto, assim como leciona o mestre Manoel Antonio Teixeira Filho, acredito que as regras introduzidas no processo civil só podem ser aplicadas ao processo trabalhista quando com este não se conflitem ou quando este último for omisso a respeito da matéria, respeitando a norma do art. 769 da CLT.


A senhora entende que deveria existir uma legislação trabalhista específica para as pequenas empresas, na medida em que muitas delas não conseguem suportar o rigor da CLT, originalmente criada para conter a superexploração do trabalho de 60 anos atrás?

Esta é uma questão delicada. Tem sido tema de estudos e propostas legislativas. O maior óbice, a meu ver, de aplicação de uma legislação trabalhista diferenciada, que favoreça as pequenas empresas, seria o seu contraposto.
Significaria que na outra ponta da relação jurídica haveria uma subclasse de trabalhadores, aos quais se atribuiria um rol inferior de direitos em relação aos trabalhadores contratados pelas grandes empresas. Seria justo sob o ponto de vista do trabalhador?

Muitos economistas entendem que a flexibilização da legislação poderia trazer para formalidade muitos trabalhadores que se encontram, hoje, excluídos do manto protetor social. Outros dizem que isso seria uma forma de precarizar ainda mais as relações de trabalho, acentuando a desigualdade de renda no País. O que a senhora pensa disso?

É necessário encontrar um equilíbrio. Não tenho formação econômica, por isso é difícil emitir uma opinião abalizada sobre as finanças da nação. Mas penso, como cidadã, que o Estado deveria repensar seu papel, suas políticas assistencialistas que não têm se revelado como altamente eficazes. Diminuir sua carga tributária, por exemplo, poderia refletir em um maior incentivo ao cumprimento das obrigações tributárias e também em melhor remuneração dos trabalhadores, pelo empregador. Simplesmente a pura flexibilização, com a retirada de direitos e garantias não se pode concordar. O Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT) é um bom exemplo. O Estado dá isenção tributária para os empregadores que fornecem vale-alimentação: ganha o trabalhador, o empregador não é tão onerado e o Estado abre mão de parcela de sua receita. Mas isso é assunto para um longo e caloroso debate.

 

Juíza Lourdes Dreyer no gabinete

 

Gaúcha da capital, Porto Alegre, a juíza Lourdes Dreyer formou-se em Direito em 1981 pela Faculdade Integrada de Santa Cruz do Sul (RS). Seu ingresso no serviço público, porém, deu-se dois anos antes: em 1979, começou a trabalhar na então Junta de Conciliação e Julgamento da mesma Santa Cruz do Sul. Tornou-se magistrada em 1989, pela Justiça do Trabalho catarinense. Três anos depois, foi promovida à juíza-presidente da Junta de Conciliação e Julgamento (JCJ) de Joaçaba.

Posteriormente, presidiu a 2ª JCJ de Blumenau, de 1993 a 1998, sendo então designada para a Direção do Foro Trabalhista, em outubro daquele ano. Durante três meses atuou como juíza-presidente da 1ª JCJ de Balneário Camboriú. Desde 1999 ocupava a titularidade da 2ª Vara do Trabalho de Florianópolis (com a extinção dos representantes classistas, naquele ano, as JCJs passaram a se chamar Varas do Trabalho), sendo convocada constantemente para atuar no 2º Grau.


 

Fonte: Ascom TRT/SC - 17.04.08

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