Um fato relevante, por ser polêmico, que marcou a 103ª Conferência Internacional do Trabalho, recentemente realizada em Genebra, Suíça, foi a posição que frente ao direito de greve reiterou o Grupo dos Empregadores (GE), que representa os empresários no cenário da OIT.
O GE persiste em seu esforço para restringir o Convênio 87 da OIT sobre a liberdade sindical, que garante aos trabalhadores do mundo o direito a convocar e participar de uma greve, tratando assim de revogar 50 anos de jurisprudência da OIT no tema. Sustentam os empresários que o texto do Convênio 87 não se refere expressamente ao direito de greve, portanto não é questão sobre a qual a Comissão de Especialistas da OIT deveria opinar, e exigem que esse convênio seja interpretado sem o direito de greve.
De imediato, o Grupo dos Trabalhadores reagiu com vigor pelos efeitos negativos que para a liberdade sindical teria a restrição do direito de greve, consagrado no Convênio 87, e o triunfo que isso suporia para os empregadores ultraconservadores no interior da OIT.
A Confederação Sindical Internacional (CSI), organização que representa 176 milhões de trabalhadores e trabalhadoras de 325 organizações afiliadas em 161 países e territórios, desvirtuou os argumentos do GE por carecer de fundamento jurídico, e manifestou sua decisão de enfrentar a "provocação” dos empresários. Nesse sentido, apresentou um extenso informe no qual confirma que o direito de greve está protegido pelo direito internacional; e mais em momentos em que as normas da OIT estão adquirindo crescente importância como referentes em acordos internacionais sobre investimento e comércio, e como diretrizes para negócios responsáveis.
"Os empregadores têm estado extorquindo o sistema da OIT, tratando de desconsiderar mais de 50 anos de direito internacional ao eliminar a garantia de um dos direitos humanos fundamentais, como é o da greve. Estou convencida de que o argumento da CSI, apresentado em nosso novo informe, prevalecerá ante qualquer tribunal internacional”,expressouSharan Burrow, secretaria geral da CSI.
Pois bem, para aprofundar o espinhoso assunto, a Agência de Informação da ENS entrevistou, vía Skype, o senhor Jeffrey Vogt, assessor legal da CSI, que fez parte da equipe que elaborou o informe que esta confederação apresentou na recente conferência da OIT.
Em que contexto se produz a alegação do Grupo de Empregadores contra o direito de greve? Ou seja, por que depois de 50 anos de vigência desse direito agora os empresários o questionam?
Ocorre que de uns anos para cá os estandartes relacionados com a OIT estão incorporados em tratados de livre comércio e em instrumentos internacionais das Nações Unidas. Ou seja, agora, esses estandartes têm mais impacto e têm força de lei, especialmente no âmbito do comércio. Algumas cortes internacionais têm incorporado em suas decisões as observações dos especialistas da OIT. Por exemplo, a corte europeia de direitos humanos, em vários casos, as leva em conta para interpretar os convênios de direitos humanos, reconhece o direito de greve e negociação coletiva citando a OIT. Essas decisões têm força de lei na Europa. Um desses casos foi há três meses com relação a um sindicato da Inglaterra. A Corte disse que não obstante a posição dos empregadores, o direito de greve existe sim no Convênio 87. Ante esses avanços a ideia dos empregadores é negar a existência do direito de greve no Convênio 87, e tratam de convencer os governos dos países e as cortes nacionais e internacionais. Dizer que não existe esse direito mostra um mau entendimento da história e do conceito de liberdade sindical, que é preciso entendê-la como um pacote de direitos: de associação, de negociação coletiva e de greve. É impossível exercer um desses direitos sem exercer os outros. O erro grave dos empregadores é entender liberdade sindical somente como liberdade de associação.
A campanha dos empregadores para restringir o direito de greve se limita à OIT ou há casos concretos de restrição nos países?
O direito de greve se vê com frequência restrito e vulnerado na prática em países de todo o mundo. No Camboja, por exemplo, os empregadores solicitaram recentemente ao governo que desconsiderasse o Convênio 87 da OIT, denunciando ao mesmo tempo o sindicato que organizou uma manifestação para protestar pelos salários de miséria que pagos no setor da confecção.
Na Espanha, também houve uma campanha de empregadores para negar a existência do direito de greve no Convênio 87.
Qual é então a estratégia da CSI para confrontar a pretensão dos empregadores?
Nossa estratégia é, no que for possível, levar o debate à Corte Internacional de Justiça, que tem a última palavra, e assim obter uma decisão que diga que o direito de greve existe sim no Convênio 87 e em outros instrumentos internacionais. A constituição da OIT diz que o único órgão que pode decidir de uma maneira vinculante é a Corte Internacional de Justiça.
Vocês acreditam que o conflito sobre a interpretação do Convênio 87 no relativo à existência do direito de greve cumpre com os requisitos técnicos para ser remetido à Corte Internacional de Justiça?
A Corte é um órgão das Nações Unidas. Para remeter o debate a esta Corte se requer a aprovação da maioria dos membros do Conselho de Administração da OIT, que se reunirá em novembre para discutir o tema. Como temos dito em vários foros, não cremos que haja outras opções no curto prazo. Devemos seguir com essa campanha em Genebra e em todo o mundo porque é importante que os governos e outros membros do Conselho apoiem a instância da Corte Internacional de Justiça.
O Grupo dos Empregadores sustenta que o estudo geral e o informe anual da Comissão de Especialistas não são documentos conveniados nem vinculantes dos mandantes tripartidários da OIT. O que tão certo é isso?
É certo que as observações dos especialistas não têm força de lei, mas são opiniões de especialistas em direito do trabalho e, durante muitos anos, os empregadores, trabalhadores e governos aceitaram seus conceitos para aplicar os convênios. A nossa posição e da OIT foi por muitos anos que se não existe uma decisão contraditória de uma corte internacional superior, as opiniões dos especialistas são vinculantes.
Pensando de maneira pessimista, é possível que os empregadores saiam com sua posição e consigam que os trabalhadores e sindicatos percam o direito de greve?
O direito de greve existe no Convênio 87, não há dúvida, e existe em outros instrumentos do direito internacional e nas constituições nacionais de muitos países; e existe de fato quando os trabalhadores o exercem. Nesse contexto, eu creio que é pequena a possibilidade de perder esse direito.
Se é pequena essa possibilidade, então o que é pretendem os empregadores ao introduzir o debate?
Eu creio que o primeiro objetivo é debilitar a OIT como instituição, porque esta trabalha em consenso, e quando uma das partes, como os empregadores, coloca um problema, isso debilita o consenso, e induz a que a OIT seja mais suave em seus procedimentos, e facilmente podem tirar concessões dos governos e da mesma OIT como instituição. Ou seja, ao não ter um consenso geral, em nível dos países podem limitar ou eliminar alguns direitos que já existem. As cortes nacionais podem interpretar suas leis e constituições e colocar limite ao direito de greve.
Quando você acredita que ese debate será resolvido, na próxima conferência da OIT?
Oxalá fosse assim. Em novembro, haverá uma reunião do Conselho de Administração da OIT, vão ser entregues informes e haverá um debate sobre o tema e os procedimentos, e é possível que votem a favor de que o caso seja conhecido pela Corte Internacional de Justiça. Provavelmente, esta inicie o processo em março do ano que começará, mas é difícil saber quando decidirá. Isso pode ser dentro de um ano ou talvez um pouco mais. Não creio que possamos ter essa decisão antes da próxima conferência da OIT.
Algo mais para terminar?
Sim. Vamos pedir às confederações e sindicatos afiliados à CSI que falem com os governos de seus países para que estes apoiem a remissão do caso à Corte Internacional de Justiça. Na passada conferência da OIT, escutamos que países como o Brasil e a Argentina já apoiam que seja a Corte a instância que resolva o assunto. Vamos falar com outros governos para ganhar seu respaldo.
Fonte: Portal Democracia Mercado e Trabalho