Antigo dono da Eternit europeia, o suíço multimilionário Stephan Schmidheiny foi condenado a 18 de prisão pela morte de 3 mil pessoas
A ação civil pública que o Ministério Público do Trabalho (MPT) move contra a Eternit S.A. em R$ 1 bilhão por dano moral coletivo e a obrigação de custear serviços médicos dos ex-empregados da fábrica de Osasco tem como paradigma o processo de Turim, na Itália. Em fevereiro de 2012, o antigo dono da multinacional na Europa, o suíço Stephan Schmidheiny, e seu ex-dirigente, o barão belga Jean-Louis Marie Ghislain de Cartier de Marchienne, foram condenados a 18 anos de prisão por crime de desastre doloso e culpados pela morte de 3 mil pessoas.
Na corte de Turim ficou comprovado que eles sabiam do potencial cancerígeno do amianto, mas foram omissos, mantiveram indústrias abertas e ignoraram medidas sérias de proteção aos empregados. Os réus também foram obrigados a pagar pelo menos 95 milhões de euros em indenizações. A pena inicial era de 16 anos, mas, em 2013, foi ampliada em mais dois. Em maio passado o barão morreu.
Outras ações semelhantes são movidas em vários países da Europa. A referência também é válida para o Brasil. O MPT considera o julgamento de Turim como marco judicial internacional histórico. “As instituições italianas desvelaram, sob o enfoque objetivo, uma tecnologia e sua respectiva dinâmica empresarial poluidora as quais foram expandidas, de modo padronizado, por todo o planeta. Assim, foram replicados idênticos desastres dolosos em todos os estabelecimentos onde se instalou”, argumenta o texto da ação.
O cenário atual também contribui para novos processos. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a cada ano, morrem 107 mil trabalhadores no mundo por doenças causadas pela inalação da fibra mineral. Somente na França, a estimativa é de que 100 mil pessoas vão morrer de enfermidades relacionadas ao amianto nos próximos 12 anos. O elevado número de casos provavelmente seria menor se tal indústria tivesse encerrado suas atividades há mais tempo.
Banimento
Apesar de a OMS considerar o amianto cancerígeno desde 1977, a Noruega só o baniu em 1984 e foi pioneira na Europa, seguida pela Suécia (1986) e Suíça (1989). Depois vieram Áustria (1990), Itália (1992), Alemanha (1993), Bélgica (1998), França (1996) e Reino Unido (1999). Atualmente, o amianto é proibido em toda a União Europeia e em nações de outros continentes como Arábia Saudita (1998), Japão (2004) e Honduras (2004), num total de 66 países.
Mesmo assim, o uso do amianto continua intenso em países menos desenvolvidos, pois mais de 125 milhões de operários no mundo são expostos ao pó maligno. Há ainda situações controversas como a do Canadá, que vetou o amianto dentro de casa, mas o exporta para a Índia. Na América do Sul, os únicos que baniram o uso do mineral foram Argentina (2001), Chile (2001) e Uruguai (2002).
Exceto a África do Sul, que decretou banimento em 2007, os países que formam os Brics são justamente os maiores produtores do amianto, distribuídos entre China (30%), Índia (15%), Brasil (15%) e Rússia (13%). A história então repete o que ocorreu com fábricas de pesticidas da Shell. Isto é, quando foram expulsas dos países ricos encontram campo amplo de exploração e alto lucro em regiões menos desenvolvidas, como o Brasil.
Brasil
Particularmente, na fábrica em Osasco, documentos levantados pela ação do MPT mostram que a Eternit no Brasil atuava sem cautelas mínimas de higiene e segurança do trabalho, fundamentais quando a matéria-prima industrial é uma substância carcinogênica. Houve situações em que o equipamento de proteção oferecido ao trabalhador se restringiu a um jaleco de laboratório. Eu outras ocasiões, eram oferecidos equipamentos de proteção, como as máscaras, mas o uso não era fiscalizado.
Terceiro maior produtor de amianto no mundo, o Brasil discute a possibilidade de banir esse tipo de indústria há mais de 20 anos, como ressalta o texto da ação civil pública. Naquela época, o tema foi debatido no Congresso Nacional e o amianto poderia estar banido em território brasileiro em 1997. Mas o texto aprovado pelos congressistas ficou bem diverso da ideia inicial e manteve a permissão de explorar o uso controlado da fibra.
Atualmente, 21 cidades brasileiras e cinco estados (São Paulo, Mato Grosso, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Pernambuco) proíbem o uso da fibra. Essas leis foram questionadas em 2012 no Supremo tribunal Federal (STF), sob alegação de que uma lei estadual não pode se sobrepor a uma lei federal, no caso a Lei 9.055/1995, que permite uso controlado do amianto no Brasil. Mas o STF ainda não concluiu a análise. A fábrica da Eternit no Rio de Janeiro, por exemplo, funciona sob liminar.
Ação
Para o procurador do Trabalho e gerente nacional do Programa de Banimento do Amianto no Brasil, Luciano Leivas, a história industrial do fibrocimento com amianto na Europa pode ser divida em três momentos. “Primeiro, veio a fase de inauguração e desenvolvimento da tecnologia poluidora do amianto. Depois, a exposição e a contaminação de trabalhadores e do ambiente natural pelo amianto. E, por fim, o banimento da tecnologia aliado à responsabilização civil e criminal das lideranças empresariais responsáveis pelo desastre ambiental, especialmente na Itália.”
Luciano Leivas destaca que agora vivemos no Brasil o segundo momento da mesma história. “Suprimimos o primeiro momento, pois importamos exatamente a mesma tecnologia poluidora. Agora, com a ação civil pública, vamos pular para o terceiro momento dessa história industrial.”
A ação do MPT destaca alguns argumentos da Eternit, chamando-os de falaciosos. Por conta do julgamento na Itália, em junho de 2012, a empresa afirmou em nota que nenhum caso de doença relacionada ao uso do amianto crisotila foi registrado entre os empregados admitidos no grupo a partir da década de 1980. “Tal afirmação consiste numa imensurável falácia. Diversos são os casos de empregados admitidos pela Eternit, a partir dos anos 1980, que apresentaram doenças diretamente relacionadas ao uso do amianto crisotila.”
Outro ponto é de que a Eternit também afirmou não haver qualquer relação com a Eternit de outros países, inclusive da Itália. “Isso não é verdade. Ficou demonstrado que a Eternit do Brasil e os múltiplos estabelecimentos da empresa espalhados pelo mundo possuem ou possuíram relação de grupo econômico liderado pelo mesmo dirigente empresarial, cuja matriz tinha sede na Suíça”, afirma o procurador Luciano Leivas. Além disso, o processo tecnológico usado na matriz e filiais durante muitos anos é o mesmo.
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Fonte: Assessoria de Comunicação Social do CSJT