Com base em norma coletiva, juíza reconhece auxílio-creche para empregado que vive em união estável

Acordo assinado por empresa prevê pagamento do benefício a 'empregados com guarda legalmente comprovada dos filhos'. Para magistrada, funcionário não pode ser discriminado

09/04/2015 13h33
criança nos ombros do pai dela


A Companhia Melhoramentos da Capital (Comcap), responsável pela coleta de lixo de Florianópolis, terá de pagar 30% sobre os salários recebidos nos últimos cinco anos a um motorista, a título de auxílio-creche. A decisão foi tomada pela juíza Ângela Konrath, em processo vinculado à 3ª Vara do Trabalho de Florianópolis. Para a magistrada, o acordo coletivo entre a empresa e a categoria não permite a distinção sumária entre homens e mulheres, já que condiciona o benefício à comprovação da “guarda legal” dos filhos. O empregado, que está na empresa desde 2009, nunca recebeu o pagamento por viver em união estável.

Criado para ampliar a proteção à mulher no mercado de trabalho, o auxílio-creche só é obrigatório para as mulheres e nas empresas com mais de 30 empregadas. No entanto, nos últimos anos o benefício vem sendo estendido pelas empresas aos trabalhadores do sexo masculino, na maior parte das vezes por acordo ou convenção coletiva.

No caso da Comcap, a norma coletiva representava uma espécie de “meio-termo”: o acordo garante o pagamento do benefício “às empregadas, ou aos empregados que tenham a guarda legalmente comprovada dos filhos” de até 7 anos. O texto também determina que o beneficio será concedido para cada filho dos empregados que preencherem os requisitos.

Segundo a empresa, a redação tinha como objetivo garantir o reembolso a todas as empregadas com filhos, e restringir o pagamento aos homens apenas em casos excepcionais, como na ausência física da mãe. A defesa usou como exemplo outras cláusulas do acordo que estipulam benefícios aos “empregados”, sem estabelecer nenhuma distinção, o que reforçaria o caráter restritivo da cláusula.

Quem tem a ‘guarda’?

Após analisar o acordo sob diversos métodos de interpretação, a magistrada concluiu que, de fato, a cláusula não deixa dúvidas sobre a restrição quanto à exigência da guarda legal. Nesse ponto, porém, a juíza observou que, mesmo quando os pais são casados, a guarda dos filhos compete a ambos, de forma que o motorista não poderia ser excluído do pagamento do auxílio.

“Possuem guarda legal tantos os pais que estão casados quanto aqueles que, mesmo separados, detém a guarda deferida em seu benefício ou a guarda compartilhada que lhes permita a convivência na rotina dos filhos”, explica a juíza, em sua decisão.

Para a magistrada, as recentes mudanças na estrutura familiar e a igualdade de responsabilidades entre homens e mulheres na criação dos filhos obrigam o Judiciário a repensar a interpretação do instituto. “Filho é filho, seja da empregada mulher ou do empregado homem, e é para essa pequena pessoa em desenvolvimento que o auxílio creche foi estabelecido“, concluiu, ao deferir o pagamento do benefício.

O trabalhador receberá cerca de R$ 10 mil reais. A empresa ainda pode recorrer da decisão ao Tribunal Regional do Trabalho de Santa Catarina (TRT-SC).

A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) prevê que empresa com mais de 30 empregadas maiores de 16 anos de idade devem ter local apropriado para garantir a assistência e a amamentação aos filhos menores de seis meses. Em 1986, uma portaria do Ministério do Trabalho e Emprego permitiu que os empregadores substituíssem essa obrigação pelo pagamento de um auxílio-creche. Assim, pela lei, o reembolso é devido apenas às trabalhadoras, mas pode ser ampliado aos homens por contrato ou norma coletiva.

A maior parte da doutrina entende que normas que distinguem homens e mulheres no ambiente de trabalho só podem ser consideradas constitucionais se estiverem ligadas à proteção da maternidade ou à chamada discriminação positiva, tratamento desigual com o qual o Estado busca proteger grupos perseguidos ou corrigir situações de desequilíbrio social. Um dos exemplos mais bem-sucedidos dessa prática é o percentual de vagas reservado a pessoas com deficiência nas empresas.

 


Fonte: Secretaria de Comunicação Social - TRT-SC
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