Especialistas divergem da redução de 40% para 10% da multa sobre o FGTS em caso de demissão, a ser incluída no projeto de regulamentação da lei.
A discussão sobre a regulamentação de pontos da Lei das Domésticas deve dar um passo importante esta semana. Relator da Comissão Mista que trata da questão no Congresso Nacional, o senador Romero Jucá (PMDB-RR) vai apresentar sugestões em relação a aspectos que têm levantado polêmica. Entre as sugestões que entregará, estão a multa de 10% sobre o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), em vez dos 40% válidos atualmente para os demais trabalhadores, e a contribuição do empregador ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) de 7% (percentual que inclui o adicional de 1% a título de seguro de acidente de trabalho) — alíquota que hoje é de 12%.
Em relação à multa rescisória, apesar de haver divergência dentro da própria Justiça do Trabalho, a tendência é de o Judiciário reconhecer a constitucionalidade de uma eventual multa menor sobre o FGTS dos trabalhadores domésticos, em caso de demissão sem justa causa. O assunto gera discordâncias. Para o desembargador do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 3ª Região, Fernando Rios Neto, que participou da Comissão Especial que tratou da PEC no Congresso, qualquer regulamentação de direitos que não dê as mesmas condições aos domésticos dá margem para que seja questionada a constitucionalidade. "Não dá para oferecer mais nem menos, pois isso fere o espírito da Proposta de Emenda à Constituição, que é a igualdade", afirma.
Mas, conforme informações obtidas pelo Correio, os ministros do Tribunal Superior do Trabalho (TST) já avaliaram preliminarmente que a multa menor é legal. O principal argumento é de que uma das condições para configurar trabalho doméstico é o fato de o empregador não auferir proveito econômico. Portanto, não pode ser tratado da mesma forma que uma empresa. Essa é a mesma interpretação da assessoria jurídica da comissão que cuida da regulamentação do assunto. Ela entende que a multa de 40% sobre o FGTS gera um peso muito grande no orçamento doméstico, que não segue a lógica empresarial de fazer provisões contábeis e de embutir tais custos nos preços dos produtos e dos serviços.
O professor de direito do trabalho Gáudio Ribeiro de Paula diz que, embora a emenda fale efetivamente em igualdade de direitos trabalhistas, não houve revogação do parágrafo único do artigo 7º da Constituição, em que está, de fato, a extensão, para os domésticos, de alguns dos direitos já aplicados aos demais trabalhadores. O parágrafo único fala ainda de "atendimento de condições estabelecidas em lei decorrentes da relação de trabalho e suas peculiaridades".
Para De Paula, a Constituição reconhece as especificidades da atividade doméstica e, por isso, pode haver condições diferentes de aplicação de direitos, como a multa por rescisão, cujo percentual de 40% válido para os demais trabalhadores está na Consolidação das Leis do Trabalho, que é uma lei ordinária, e não no texto constitucional.
Compensação
O relatório do senador Romero Jucá também contemplará a possibilidade de criação de banco de horas para compensar eventual jornada do empregado acima de oito horas diárias, sem que o empregador tenha que pagar hora extra. A proposta é de permitir que o acerto das horas trabalhadas a mais seja feito em até um ano. Para isso, é preciso haver uma lei autorizando, pois a Constituição só permite essa compensação de horários mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho, o que não é factível no caso dos domésticos, que não têm sindicatos patronais, e de empregados organizados em todas as cidades.
Enquanto não é aprovada essa flexibilização — e como já é obrigatório o pagamento das horas extras desde o último dia 3, data da promulgação da emenda constitucional —, os patrões podem fazer compensações da jornada dentro da própria semana, sem que seja obrigado a pagar hora extra, afirma o desembargador Fernando Rios Neto. Deve ser respeitado, porém, o limite máximo de 44 horas semanais.
Assim, um empregado que trabalha de segunda a sexta-feira pode cumprir até quatro horas a mais na semana para completar as 44. No caso daquele contratado por seis dias na semana, o patrão poderá estender a jornada de sábado e diminuir a dos dias anteriores. Porém, isso tem que ser registrado por escrito, alertou o desembargador do TRT da 3ª Região. "O ajuste mediante compensação na própria semana pode ser feito por acordo bilateral", diz.
A Comissão de Regulamentação de Leis do Congresso também definirá o intervalo mínimo para descanso ou para alimentação durante a jornada regular de oito horas. Os empregados de empresas têm direito a, no mínimo, uma hora e, no máximo, duas, podendo variar conforme acordo ou convenção coletiva. O senador Romero Jucá pretende incluir no seu relatório um intervalo menor, de meia hora no mínimo, dada a especificidade da categoria de almoçar na própria residência.
Isso dependerá do acerto entre as partes. No período estipulado, no entanto, a empregada não poderá ser acionada pelo patrão. Por ora, enquanto não foi regulamentada a duração mínima do intervalo, vale o acertado entre as partes. O recomendado é que seja oferecida, pelo menos, meia hora. A marcação do livro de ponto também vale desde o último dia 3. Outro ponto a ser regulamentado é o adicional noturno, que deverá ser igual aos demais trabalhadores — acréscimo de 20% sobre a hora trabalhada (se for hora extra, incidirá sobre o valor desta) para quem exercer atividade entre as 22h e as 5h. Por enquanto, ele não é devido.
Acordo escrito
Não há necessidade de fazer um contrato escrito no caso das contratações em vigor, que são atingidas pelas mudanças daqui para frente. O desembargador do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 3ª Região, Fernando Rios Neto, observa que o acordo tácito entre as partes é considerado contrato, e as condições acertadas antes, que não ferem os novos direitos, continuam válidas. Ele orienta, no entanto, que as regras do cumprimento da jornada diária e sua compensação na própria semana sejam ajustadas mediante acordo escrito, de preferência assinado também por duas testemunhas.
A lei do vale-transporte aplicada aos demais assalariados já valia para a categoria dos domésticos. Ou seja, o patrão deve fornecer em vale ou em dinheiro o montante necessário para cobrir as despesas de locomoção com ônibus e/ou metrô, podendo descontar até 6% do salário para tanto. Porém, não pode passar a fazê-lo se não descontava antes.
O mesmo vale em relação ao recolhimento da contribuição de responsabilidade do empregado para a Previdência Social. Se o patrão assumia a parcela do contratado, não poderá passar a descontar. Rios Neto alerta ainda para que o empregador exija sempre o recibo de pagamento do salário assinado pelo trabalhador, principalmente quando feito em espécie, pois é a prova de que ele de fato pagou pelo serviço prestado.
Fonte: Correio Braziliense