A não aplicação da legislação trabalhista é uma das mais graves chagas de discriminação da sociedade brasileira, porque atinge pessoas destituídas de riqueza e poder. Essa é a opinião do jurista Maurício Godinho Delgado, emitida durante a conferência de abertura do 3º Encontro de Juízes e Procuradores da 12ª Região, na noite de quinta-feira (17), na sala de sessões do Tribunal Pleno do TRT/SC.
O tema tratado por Godinho foi “A discriminação das relações de trabalho”. Em aproximadamente uma hora de conferência, ele destacou a importância da Constituição Federal, que elegeu o princípio jurídico antidiscriminatório como um de seus fundamentais. Na opinião dele, durante os 45 anos que se passaram entre a criação da CLT e a Constituição Federal de 88, houve um “vazio jurídico” sobre o tema.
“A Constituição de 1988 foi um marco decisivo. É como se ela tentasse reorganizar o sistema jurídico para reparação das discriminações ocorridas ao longo da história, principalmente em relação às mulheres, aos menores e aos portadores de deficiências”, sustentou Godinho, desembargador do TRT/MG e autor de diversos livros sobre o assunto.
Godinho entende, porém, que a maior fonte de discriminação decorre da não aplicação da legislação trabalhista. Isso acontece, na opinião dele, porque a sociedade brasileira tem tradição em não dar efetividade à ordem jurídica, provocando um dano moral coletivo. Para sustentar sua tese, citou dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT), segundo os quais 80% da população economicamente ativa da Europa Ocidental estão devidamente protegidos pela legislação trabalhista – o dobro em relação ao Brasil.
“A conseqüência disso é que, inevitavelmente, nessas economias mais desenvolvidas, ocorre uma inserção social do cidadão por meio do trabalho”, disse o desembargador. O problema, então, não estaria na própria CLT, considerada por uma corrente do pensamento jurídico como ultrapassada e incapaz de dar conta da evolução das relações de trabalho? Na opinião de Godinho, que também é professor universitário, com doutorado pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), essa visão é completamente equivocada.
Na opinião dele, esse tipo de posicionamento ocorre porque o direito do trabalho, por ser um ramo jurídico de característica essencialmente interventiva, acaba entrando em choque com alguns conceitos do pensamento econômico liberal, como produtividade, economicidade e eficiência. “Acontece que a construção das modernas civilizações ocidentais, como as conhecemos hoje, ocorreram juntamente com a aplicação do direito interventivo”, teorizou o professor.
Godinho lembrou que até a metade do século XIX, quando as normas jurídicas tinham caráter apenas dispositivo, sem intervir na relação capital-trabalho, a sociedade era muito mais desigual. “O direito do trabalho não tem nada de anômalo. Assim como todos os ramos jurídicos contemporâneos – direito previdenciário, direito do consumidor, direito ambiental -, ele nasceu junto com o próprio desenvolvimento das mais modernas sociedades ocidentais. Junto, portanto, com a consolidação da democracia”, finalizou.
Organizado em parceria pela Escola Judicial e de Administração Judiciária do TRT/SC e pelo Núcleo da Escola Superior do Ministério Público da União na PRT/SC, o evento terá prosseguimento nesta sexta-feira, tratando de outros dois assuntos: meio ambiente do trabalho e moralidade administrativa.
Fonte: Ascom - 17.05.07, às 23h15min