O juiz Roberto Basilone Leite, titular da 2ª Vara do Trabalho de Florianópolis toma posse nesta quinta-feira (11) como desembargador do Tribunal Regional do Trabalho de Santa Catarina (TRT-SC). Escolhido pelo critério de merecimento, ele vai assumir a vaga da desembargadora aposentada Maria Aparecida Caitano. A cerimônia acontece às 18h, na sala de sessões do Tribunal Pleno, que passa a contar com 17 desembargadores e apenas um assento vago.
Natural de Sorocaba (SP), Basilone Leite foi advogado e servidor do Judiciário Trabalhista em Mafra (SC), antes de ser aprovado em três concursos para juiz do trabalho substituto — em São Paulo, Paraná e Santa Catarina —, tendo optado pelo JT-SC para fazer carreira. Casado, pai de dois filhos, é doutor em Direito e ocupa o cargo de vice-diretor da Escola Judicial do TRT catarinense, tendo 11 livros publicados.
Confira abaixo a entrevista concedida pelo novo desembargador à Assessoria de Comunicação do TRT-SC.
ASCOM - O que o levou a seguir a carreira de juiz?
Eu gostava muito de literatura e do Direito, principalmente do Direito Coletivo. Meu pai era sindicalista e meu primeiro emprego foi em um sindicato. Eu acreditava que, como juiz, poderia fazer alguma coisa prática para ajudar a diminuir as injustiças da nossa sociedade e aperfeiçoar um pouco as nossas instituições.
ASCOM - Qual decisão judicial acabou tendo maior repercussão na sua formação como juiz e filósofo do Direito?
Não houve uma decisão específica, mas várias decisões. Desde minha época de advocacia no Direito Imobiliário, me chamavam muito a atenção os casos em que o processo judicial parecia estar sendo usado não para garantir o direito, mas para permitir que ele fosse sonegado. Com o passar do tempo, percebi que essa tensão entre o direito material e o processo está intimamente ligada à relação entre o Direito e a Política, tema que acabei desenvolvendo no meu mestrado e no doutorado.
ASCOM - Em seu último livro, "O papel do juiz na democracia", o senhor propõe a ideia de que a democracia brasileira ainda está em processo de construção, e que o nosso passado autoritário ainda ressoa em diversas estruturas do Estado, inclusive no Judiciário. Diante desse quadro, qual é o papel da Justiça do Trabalho?
Tivemos cinco séculos de uma cultura não-democrática, autoritária, construída sobre um modelo patrimonialista e escravocrata. É um legado que não se consegue modificar em poucos anos. Por outro lado, a democracia é um regime de liberdade, que só se sustenta se cada cidadão decidir, de forma consciente e voluntária, respeitar o direito do outro. A Justiça do Trabalho tem um papel fundamental nesse sentido, pois repara injustiças e garante que o direito do cidadão será preservado. Ela tem uma função pedagógica, essencial para desestimular esse tipo de comportamento.
ASCOM - O Judiciário brasileiro deve alcançar neste ano 100 milhões de processos em tramitação, e o volume de ações não dá sinais de desaceleração. Como evitar um colapso do sistema?
É imprescindível encontrar modos coletivos de solução de conflitos, mas é preciso solucionar o problema na raiz. O absurdo volume de ações judiciais no Brasil se deve a essa cultura secular do “jeitinho”, a essa cultura autoritária de desprezar voluntariamente o direito do outro, na certeza de que não haverá nenhuma sanção. Basta observar o trânsito em qualquer ponto da cidade, durante alguns minutos, para ver quantas pessoas vão desrespeitar o direito de preferência dos pedestres, ou quantos veículos estarão estacionados irregularmente sobre a calçada. O comportamento do cidadão no trânsito é um excelente termômetro dessa cultura.
ASCOM - A questão da uniformização dos precedentes é frequentemente citada como uma possível solução para desafogar o Judiciário. Ela pode criar algum tipo de tensão entre a primeira e a segunda instância do Judiciário?
A uniformização da interpretação da lei pelos tribunais é um pressuposto de viabilidade do próprio sistema de direito. A independência deve proteger o juiz contra forças externas ao Judiciário, como as partes ou entidades privadas. Já o Tribunal tem o dever de definir para a sociedade o que determinada norma dispõe. O cidadão e as empresas precisam ter certeza sobre o que significa cada artigo de lei para que haja o mínimo de planejamento e segurança nos relacionamentos. Essa atribuição, a meu ver, em nada prejudica a independência dos magistrados, porque envolve um papel interno fundamental que o Judiciário como um todo tem o dever de cumprir.
ASCOM - Que aspecto da sua personalidade como juiz ficará mais evidente na atuação dentro de um colegiado?
Pretendo continuar atento para ouvir e analisar com cuidado os argumentos dos colegas, e estar sempre pronto para explicar e fundamentar meu ponto de vista, de maneira clara, objetiva e respeitosa. Quero estar aberto a interpretações diferentes da minha, sem pré-concepções e certezas absolutas, e também disposto a reconhecer a prevalência da tese contrária, caso me convença disso.
ASCOM - Existe uma campanha intensa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) no sentido de promover a conciliação nas ações judiciais. Mas muitos devedores usam a Justiça de forma premeditada para induzir o trabalhador a abrir mão de parte dos seus direitos. Está claro qual deve ser esse ponto de equilíbrio?
É imprescindível estimular a cultura da solução negociada pelas partes, principalmente em litígios que envolvem valores relativamente baixos e sobre os quais exista jurisprudência mais ou menos firme. Há casos que chegam ao Judiciário que revelam uma enorme dificuldade daqueles cidadãos em resolverem sozinhos pequenas divergências. Mais de uma vez decidi ações judiciais que discutiam a verba referente a um único dia de suspensão. A minha experiência de 22 anos de magistratura me convenceu de que a conciliação no âmbito judicial tem resultados muito adequados, até pela presença do juiz e dos advogados. A proposta de criação de foros extrajudiciais de conciliação deve ser bem analisada, de forma a garantir a efetiva liberdade das partes no momento do acordo.
ASCOM - Como desembargador o senhor terá contato mais frequente com a questão dos dissídios coletivos e das greves, que têm grande repercussão junto à população, sobretudo nos casos que envolvem serviços públicos essenciais, como o transporte coletivo. Quais são as suas considerações sobre esse tema?
Essas questões são extremamente delicadas, porque vão muito além dos interesses das partes e afetam toda a rotina da cidade e dos órgãos públicos. Por isso, devem ser tratadas da forma mais rápida possível, de preferência mediante ampla negociação. Se a negociação não resolver o problema, o Tribunal tem de tomar as providências necessárias para evitar danos para a sociedade, sem desrespeito ao direito das partes. Nosso Tribunal tem demonstrado muita competência para administrar esses conflitos, com decisões ágeis e eficazes.
ASCOM - Um dos temas mais polêmicos na esfera trabalhista é o da terceirização. Há mesmo quem diga que o futuro posicionamento do Supremo sobre a questão envolvendo a atividade de call center será decisivo para o futuro do próprio sistema de proteção trabalhista. É um exagero?
Tenho impressão de que é um exagero, porque o sistema de proteção trabalhista está previsto em centenas de leis e na própria Constituição. Seja qual for a decisão do Supremo, ela não permitirá que os trabalhadores terceirizados fiquem desprotegidos. Será preciso ver qual mecanismo vai garantir, em cada caso, o cumprimento das obrigações trabalhistas, que podem ser asseguradas pela responsabilização subsidiária ou solidária do grupo econômico, por exemplo. No fundo, o problema está em distinguir a terceirização válida daquela que tem como único objetivo precarizar as condições dos trabalhadores, o que com certeza o Supremo não vai autorizar.
ASCOM - Em 1998 o senhor teve um ato visionário ao encaminhar à presidência do TST um ofício sugerindo a criação de um canal de TV do Judiciário, o que acabou impulsionando a criação da TV Justiça. Como o senhor vê a atual comunicação entre o Judiciário e a população?
Ela está se aperfeiçoando mais rápido do que eu poderia imaginar. A TV Justiça contribuiu muito para propagar a cultura da comunicação entre os juízes e também para mostrar ao cidadão o volume e a qualidade dos serviços que prestamos, combatendo aquela ideia errônea de que juízes e servidores são marajás e trabalham pouco. As próprias associações de magistrados, os tribunais e as escolas judiciais têm organizado cursos e treinamentos em mídia e jornalismo, e quem já teve a oportunidade de participar deles sabe que a comunicação com a sociedade exige técnicas bem específicas, que realmente precisam ser aprendidas e praticadas.
ASCOM - O senhor tem diversos livros publicados, que tratam de temas bem diversificados, como o Direito do Consumidor e a relação entre juízes e tribunais. Qual é o tema que o senhor gostaria de abordar em um livro, mas sobre o qual ainda não escreveu?
Tenho muita vontade de concluir e publicar uns textos sobre a história do Direito na América Latina e uma tese sobre o conceito de Estado na obra do filósofo alemão Jürgen Habermas. Também tenho um projeto voltado para uma teoria do processo digital, mas que ainda precisa ser aperfeiçoado. Meu sonho mesmo é fazer um estudo analítico e estruturante das vertentes da música brasileira, que considero a mais rica do planeta, ao lado da inglesa e da norteamericana. Mas, por enquanto, é só um ideal platônico.
ASCOM – Por falar em música, fora do ambiente do Tribunal o senhor toca guitarra e canta. O que não pode faltar no repertório?
Não pode faltar Noel Rosa, Ary Barroso, Nelson Cavaquinho, Paulinho da Viola, Tom Jobim, Chico Buarque e Milton Nascimento. E não pode faltar a voz da Dra. Cida Caitano, minha querida antecessora na cadeira em que vou ser empossado. Para as novas gerações de magistrados cantores, liderada pelos colegas Maria Beatriz Vieira, Valquíria Bastos, Desirré Dorneles e Carlos Frederico, não pode faltar também Herbert Vianna, Kid Abelha, Lenine e Lulu Santos.
Fonte: Assessoria de Comunicação Social - TRT-SC
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