Um trabalhador brasileiro foi contratado no Brasil para atuar, como garçom, em navio de bandeira portuguesa numa viagem de cruzeiro internacional e o caso acabou na Justiça do Trabalho. O TRT catarinense precisou se debruçar sobre três temas polêmicos que envolvem relações de trabalho internacionais.
Em primeiro lugar, foi preciso definir em que país deve ser julgada a causa e qual a legislação a ser aplicada. Em segundo, resolver uma preliminar de ilegitimidade passiva apresentada pela empresa e, por fim, decidir quem é responsável pela relação de trabalho, num emaranhado de empresas de várias nacionalidades envolvidas na ação.
O juiz de primeira instância entendeu que a jurisdição para julgar o processo é da Justiça brasileira, porque a embarcação percorreu apenas águas e portos nacionais durante o período em que o autor da ação trabalhou nela. A empresa apontada como ré recorreu ao TRT alegando que o navio tem bandeira portuguesa e que deve ser aplicado o acordo coletivo de trabalho do sindicato português. Além disso, que o foro, conforme previsto no acordo coletivo, deve ser o da Ilha da Madeira.
A desembargadora Ligia Maria Teixeira Gouvêa, relatora do processo, observou que estando comprovada a contratação em território brasileiro e que a prestação de serviços se deu exclusivamente em águas e portos nacionais, além de o empregador possuir sede no Brasil, deve ser aplicada a Lei 7.064/82. Ela dispõe sobre a situação de trabalhadores contratados ou transferidos para prestar serviços no exterior.
Nesse caso, é aplicada a legislação brasileira ao empregado contratado por empresa sediada no Brasil para trabalhar a seu serviço no exterior. A relatora ainda destacou que é irrelevante, nesse cenário, o fato de a bandeira do navio ser portuguesa, pois o autor não trabalhou fora do território brasileiro.
Na defesa apresentada pela empresa a tese é a de que deve ser aplicada a Lei do Pavilhão, que considera os navios extensões do território correspondente à bandeira que ostentam. O argumento foi rejeitado porque a prestação de serviços se deu apenas em território brasileiro o que, segundo o acórdão, por si só já atrai a incidência da legislação brasileira, não havendo efetivo conflito de leis no espaço.
Outra polêmica foi a alegação da ré de não possuir legitimidade para estar no polo passivo. Neste aspecto, o TRT aplicou a teoria da asserção, adotada pelo Código de Processo Civil desde 1973, que prevê que as condições da ação devem ser aferidas de forma abstrata, pela simples leitura da inicial. Em outras palavras, para verificar se estão presentes as condições da ação, o juiz deve raciocinar admitindo provisoriamente, ou por hipótese, que todas as afirmações do autor são verdadeiras. A relatora cita Fredie Didier Jr, para quem “o que importa é a afirmação do autor, e não a correspondência entre a afirmação e a realidade, que já seria um problema de mérito”. Dessa forma, a preliminar de ilegitimidade passiva apresentada pela empresa foi rejeitada porque “uma vez apontado na peça inicial, passa o réu a figurar no polo passivo da reclamatória como parte legítima para a causa.”
Finalmente, já enfrentando o mérito da ação, os desembargadores da 6ª Câmara do TRT catarinense apreciaram a alegação da empresa ré, que negava ser empregadora do autor. A empresa Ibero Cruzeiros Ltda é uma agência de viagens e não possui navios. Mas, foi verificado que os representantes da ré e da empresa proprietária do navio são os mesmos, levando à conclusão de que configuram grupo econômico.
Além do mais, ambas assinaram Termo de Ajuste de conduta com o MPT do Rio de Janeiro em que se comprometem a contratar diretamente, ou através do responsável pelo navio, todos os brasileiros recrutados no Brasil e embarcados para trabalhar apenas durante a temporada de cruzeiros pela costa nacional.
Fonte: Assessoria de Comunicação Social do TRT/SC
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