A fatura bilionária resultante de ferimentos, doenças e mortes causadas pelo trabalho é traduzida no pagamento de benefícios previdenciários precoces, nos atendimentos do SUS, nos gastos com reabilitação e nas ações judiciais
Uma conta que pode passar de R$ 100 bilhões por ano. Essa é a expressão financeira do sofrimento físico e mental de ferimentos, doenças e mortes causados pelo trabalho no setor formal e no informal. O cálculo é do economista e consultor em relações do Trabalho e Recursos Humanos José Pastore, pesquisador da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), da Universidade de São Paulo (USP). Somente o custo gerado pelos acidentes entre trabalhadores de empresas com carteira assinada que são notificados e identificados nas estatísticas oficiais é estimado em cerca de R$ 70 bilhões.
Pelo menos 46% dos acidentes, incluídos as doenças ocupacionais e os ocorridos no trajeto de ida e volta para casa, resultam em afastamento do trabalho por mais de 15 dias, incapacidade permanente e morte. A maior parte dessa fatura bilionária não é bancada pelos empregadores, e, sim, por toda a sociedade, traduzida no pagamento de benefícios previdenciários precoces, nos atendimentos do Sistema Único de Saúde (SUS) — que inclui ainda a maior ocupação de leitos —, nos gastos com reabilitação profissional e nas ações judiciais.
Só as contribuições das empresas a título de seguro de acidente de trabalho totalizam R$ 8 bilhões por ano e as despesas com benefícios pagos pelo INSS alcançam R$ 14 bilhões. "É uma cifra colossal, gigantesca", avalia Pastore, sobre a extensão do custo dos acidentes que não aparecem nas estatísticas oficiais. No caso de ocorrências com trabalhadores informais e autônomos, o peso estoura basicamente nas contas do SUS. Há ainda os gastos com o afastamento temporário e permanente de servidores públicos e profissionais liberais, que também não estão sob o manto da Previdência Social. Esse grupo, que está fora das estatísticas, responde por 60% da força de trabalho.
Outros danos
Uma ocorrência gera ainda outros problemas e despesas, que engordam o custo dos acidentes no país. As empresas arcam com o salário dos primeiros 15 dias de afastamento (a partir do 16º dia, é o INSS que paga) e custos com interrupção do trabalho, substituição e treinamento de mão de obra, dano em maquinário, atraso em cronograma de entrega, multas, aumento da contribuição do seguro de acidente e pagamento de indenizações.
Já as vítimas têm despesas com medicamentos, assistência médica adicional, transporte, redução do poder aquisitivo, desemprego, depressão e traumas. Quando há morte, é imensurável o dano material provocado, sem contar o psicológico, decorrente da dor da perda e da falta que a pessoa fará para o desenvolvimento do núcleo familiar. Muitas vezes, o trabalhador que perde a vida é o chefe do lar, que se desestrutura. O futuro dos filhos fica comprometido.
José Pastore observa que está havendo mais controle sobre a ocorrência de acidentes pelo Ministério da Previdência. A maior quantidade registrada nos últimos três anos, na casa dos 700 mil, não significa aumento em relação ao período até 2006, quanto o total ficou em torno de 500 mil no ano, diz. A partir de 2007, a Previdência passou a computar os casos identificados pelos médicos peritos e funcionários do INSS, não comunicados pelas empresas, na hora de conceder o benefício.
Naquele ano de 2007, foram incluídos 141 mil casos sem notificação, totalizando 659.523 acidentes. Em 2008, ano da crise internacional e do aumento do desemprego, o número de ocorrências sem comunicação da empresa foi de 199 mil e o volume total, de 747.663. Em 2009, houve diminuição, atingindo os 701.496 registrados em 2010.
O diretor do Departamento de Políticas de Saúde e Segurança Ocupacional do Ministério da Previdência, Remígio Todeschini, informa que as empresas que sonegam a comunicação da ocorrência de qualquer acidente em 24 horas recebem punição. Elas sofrem com a elevação da contribuição do Seguro de Acidente do Trabalho (SAT), de 1% a 3%, que passa a ser cobrada em dobro sobre a folha de pessoal. Cerca de 50%, diz Todeschini, estão na faixa maior, por desempenharem atividades de risco grave. Só 20% recolhem alíquota de 1%, de risco leve.
Doenças
O diretor alerta para o setor de serviços, que assumiu a liderança em quantidade de acidentes nos últimos dois anos, passando à frente da indústria. É elevada a ocorrência de doenças ósseo-musculares, lesões de ombro e lordose no comércio. Há também aumento dos diagnósticos de transtornos mentais e comportamentais, que decorrem principalmente do estresse e da depressão. Houve ainda elevação de 25% nos afastamentos e na concessão de auxílio-doença por esses motivos.
"A forma como o trabalho está organizado, com pressão constante por metas, maior produtividade e ameaça de demissão, provoca essas doenças", diz Todeschini. O operador de máquinas Juliano Augusto Fernandes, de 29 anos, é uma dessas vítimas. Ele ficou três meses afastado do trabalho no início do ano, após contrair tendinite no punho. O benefício do INSS só saiu quando ele já estava retornando ao serviço, na empresa de autopeças Brembro, em Betim, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Juliano foi poupado dos mesmos esforços, mas novos problemas apareceram.
Em maio, o médico da empresa o afastou novamente por causa de uma tendinite no pé direito — ele passava muito tempo em pé. Mas o INSS indeferiu o pedido do auxílio-doença, alegando que o problema não justificava o afastamento. Desde então, ele está sem renda e teve que entrar com um recurso. "Muitas vezes, a gente prefere trabalhar machucado a ficar dependendo do INSS." (Colaborou Frederico Bottrel)
Maior fiscalização
O Ministério da Previdência informou que os acidentes em geral vêm diminuindo nos últimos dois anos por conta da maior fiscalização do governo, da adoção de normas obrigatórias de segurança e da aplicação do chamado Fator Acidentário de Prevenção (FAP), incidente sobre o Seguro de Acidente de Trabalho (SAT) pago pelas empresas. A alíquota pode aumentar ou diminuir conforme a ocorrência de acidentes. Dados do órgão apontam que 90% das empresas têm FAP menor ou igual a 0,5, ou seja, pagam metade da contribuição devida, por redução na acidentalidade.
Fonte: Correio Braziliense On Line