Protocolo de Gênero orienta decisões da JT-SC em casos envolvendo trabalhadoras

Julgamentos recentes incluem indenização a funcionária demitida quando sofria violência doméstica e ressarcimento por descontos a mãe que acompanhou filho no hospital

12/03/2025 13h16, atualizada em 12/03/2025 14h36
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O Conselho Nacional da Justiça (CNJ) determina que todos os tribunais brasileiros levem em conta, nos julgamentos, as especificidades das pessoas envolvidas, a fim de evitar preconceitos e discriminação por gênero e outras características. A diretriz, formalizada em um documento, recebe o nome de “Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero”.

Desde a sua introdução, em 2023, o protocolo tem sido amplamente mencionado nas decisões de magistrados do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região (TRT-SC), abrangendo tanto o primeiro quanto o segundo graus. No Mês da Mulher, destacamos dois casos recentes que ilustram bem a sua aplicação.
 

Dupla violência


Em janeiro, a 1ª Vara do Trabalho de Criciúma condenou um supermercado do município a indenizar, em danos morais, uma ex-funcionária por dispensá-la durante período da vida pessoal em que enfrentava violência doméstica. Na sentença, o juiz Armando Luiz Zilli destacou que, ainda que o empregador possua a prerrogativa de demitir, as circunstâncias escolhidas constituíram abuso desse direito, resultando em uma "dupla violência".

O magistrado destacou que, antes da dispensa, a empresa já sabia das ameaças feitas pelo ex-companheiro da operadora de caixa, uma vez que os incidentes haviam sido registrados em boletins de ocorrência e medidas protetivas haviam sido solicitadas. Além disso, testemunhas que trabalhavam com a autora também confirmaram que o caso era de conhecimento de todos, incluindo uma ocasião em que o homem a ameaçou dentro do próprio supermercado.
 

Interpretação ampliada


Para fundamentar a decisão, Zilli mencionou a Lei Maria da Penha (11.340/2006), destacando que “a norma é clara ao tratar da proteção da mulher em função de violência doméstica, assegurando o trabalho como um efetivo exercício de direito à vida, necessário para sua subsistência, já reduzida também pelo afastamento do ex-companheiro  na  participação  financeira  da  família”.

O juiz complementou afirmando que, ao olhar para a norma, é preciso “considerar os seus fins sociais” em relação às violências que as mulheres sofrem, ressaltando que o “Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero é um instrumento que leva em consideração” tais particularidades de interpretação. O valor da indenização foi de R$ 7,2 mil.

Não houve recurso da decisão.
 

Desconto indevido


No final de fevereiro, a 2ª Turma do TRT-SC deliberou sobre um outro caso no qual foi aplicado o protocolo de gênero. O colegiado garantiu o ressarcimento de descontos salariais a uma trabalhadora que acompanhou seu filho de 8 meses durante internação no hospital por 18 dias.

O caso teve início em São Joaquim, Região Serrana do estado, envolvendo a trabalhadora de uma cooperativa agrícola. No processo, a mulher afirmou que apresentou um atestado médico que justificava a necessidade de acompanhar o filho, mas a empresa negou abonar as faltas, argumentando que, conforme o acordo coletivo da categoria, o limite era de apenas um dia para acompanhamento de filhos menores de 10 anos.
 

Ótica de julgamento


Ao decidir sobre o caso na 2ª Vara do Trabalho de Lages, a juíza Renata Felipe Ferrari destacou que a questão deveria ser analisada “sob a ótica do julgamento com perspectiva interseccional de gênero e raça”, pautado no protocolo elaborado pelo CNJ.

Na sentença, a magistrada afirmou que permitir a sobrecarga financeira da mulher por cuidar do bem-estar de um filho adoecido, sob a perspectiva trabalhista, contraria uma série de princípios internos e normas internacionais que garantem a não discriminação de gênero e a proteção da maternidade e da infância. Com base nisso, ela condenou a empresa a ressarcir a trabalhadora em 15 dias, afirmando que o período restante se enquadraria no caso de “Auxílio-Doença Parental”.
 

Recurso


A empresa recorreu da decisão, mas no segundo grau o relator do recurso, desembargador Roberto Basilone Leite, reafirmou o entendimento do juízo de origem.

Ele destacou que a sentença da 2ª VT de Lages não apenas considerou aspectos legais, mas também a “proteção constitucional conferida à infância e à família”, a “Convenção 103 da OIT de Amparo à Maternidade”, o “protocolo para julgamento com perspectiva de gênero” e a “Convenção para a Eliminação da Discriminação contra a Mulher”, além de ter realizado “ponderações de aspecto social”.

O prazo para recurso da decisão está em aberto.

Números no Brasil

Embora as mulheres representem 52% da liderança dos lares brasileiros, segundo dados de 2024 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),  elas continuam com as maiores taxas de desemprego e os menores salários, além de ainda acumularem tarefas domésticas, incluindo atividades relacionadas aos cuidados de outras pessoas da família. 

Dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) referentes a 2024 revelam que mulheres em cargos de gerência podem ganhar até R$ 40 mil a menos por ano do que seus colegas homens.

De acordo com a mesma fonte, no ano passado, o rendimento médio geral das trabalhadoras de sexo feminino ficou 22% abaixo dos homens, resultando em uma diferença média de R$ 762 por mês (R$ 2.697 ante a R$ 3.459).


Número dos processos listados: 0000462-50.2024.5.12.0003 e 0000188-08.2024.5.12.0029
 

 

Texto: Carlos Nogueira
Secretaria de Comunicação Social - TRT/SC
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