Ladi José Windelferd, atualmente com 42 anos, era um marceneiro caprichoso. Mesmo sem emprego fixo, ele sempre estave pronto para qualquer serviço, de forma a garantir o próprio sustento com dignidade. Em janeiro de 2009, quando passava em frente ao lugar onde era montada uma imensa estrutura para um festival de rock, em Florianópolis, ele foi chamado a descarregar e transportar peças que estavam em um caminhão.
Perto de concluir o serviço, no entanto, uma rajada forte, daquelas comuns nos verões da capital catarinense, o atingiu. Ladi se desequilibrou e caiu. A altura era pequena, mas o trabalhador não conseguia se erguer sozinho. Isso porque no local onde suas costas bateram havia duas pedras, que lhe fraturaram duas vértebras. Levado ao hospital, o trabalhador teve uma triste notícia: não voltaria a andar.
Após ter alta, Ladi ficou seis meses na cama, sem atendimento especializado e paralisado da cintura pra baixo. Como milhões de trabalhadores brasileiros que não recolhem previdência social, ele não tinha direito ao benefício do auxílio-doença.
Ao procurar a Justiça, o marceneiro teve mais uma notícia desalentadora. Descobriu que o caso sugeria uma multiplicidade de relações jurídicas envolvendo condições de trabalho, como equipamentos de proteção, forma de contratação e responsabilidades, diante de uma cadeia de terceirizações. Dada a complexidade da situação, o processo poderia demandar vários recursos em anos de discussões. Preso a uma cama e consciente de que nunca mais poderia andar nem trabalhar como operário da construção civil, restava apenas aguardar que o Estado apresentasse alguma solução.
Mas segundo o advogado Eduardo Beil, patrono do acidentado, o caso teve bom andamento na Justiça do Trabalho. A ata da primeira audiência, dezoito dias após o ajuizamento, registrou que, diante dos representantes da empresa produtora do evento, a juíza do trabalho Angela Konrath, da 1ª Vara do Trabalho de Florianópolis, clamou "aos procuradores da reclamada para que, não obstante a discussão que estabeleçam sobre a responsabilidade, estendam ao autor uma importância mensal e voluntária, sem qualquer vinculação com o desfecho do feito, para que seja minimizado o sofrimento do reclamante enquanto tramita o processo e se discutam teses jurídicas em relação às quais uma pessoa comum do povo se vê envolvida em circunstâncias tão drásticas, que não consegue dar conta".
A audiência foi adiada por 48 horas "na tentativa de se alcançar uma solução provisória humanitária e espontânea". Foram chamadas à lide outras cinco empresas arroladas pela primeira. Dois dias depois, já na presença de todas, ficou estabelecido que, como ajuda humanitária, "sem nenhuma correspondência direta com os pedidos nem assunção de responsabilidade", seria garantido ao autor da ação, até a audiência seguinte, o depósito de duas parcelas de R$ 1,25 mil, para as necessidades emergenciais. Também foi acertada uma iniciativa de todas as partes e procuradores, bem como da juíza, visando ao encaminhamento da vítima para um hospital, já que Ladi se encontrava em casa desde o acidente, sem os cuidados médicos necessários à sua recuperação.
O advogado do trabalhador credita o primeiro acordo ao esforço conjunto dos advogados e da juíza na busca de uma solução para um caso que, segundo ele, "muito mais do que um simples processo trabalhista, tratava do destino de uma vida humana". Na audiência realizada dois meses depois, os advogados das partes apresentaram uma proposta de acordo de caráter indenizatório, com uma parte para custeio de despesas de internação, outra para aquisição de um imóvel e outras duas para constituição de patrimônio, a fim de garantir renda ao acidentado.
Como o autor, já internado graças às gestões dos advogados e da juíza, não tinha condições de locomoção, foi marcada nova audiência, em seguida, para que ele pudesse, no hospital, se manifestar pessoalmente sobre os termos do acordo. Na presença de representantes do Ministério Público do Trabalho, ele recebeu esclarecimentos sobre a vinculação dos pagamentos aos fins especificados, como condição do juízo para homologar o acordo, visando a "resguardá-lo nesse momento frágil de ser alvo vulnerável à exploração de terceiros ou negócios precipitados, num instante em que toda sua preocupação está canalizada para a recuperação da saúde e enfrentamento do novo quadro com o qual terá que lidar e importa em limitações de sua capacidade física." Ladi se surpreendeu com a atenção recebida e com a forma como foi tratado.
O advogado Cláudio José Duarte Filho, que representou o acidentado nas audiências iniciais, considera o caso um exemplo de atuação do Judiciário em defesa da cidadania. Para a juíza Angela Konrath "foi significativa a atuação dos advogados que abriram mão de discussões jurídicas em prol de ganhar ou perder uma causa para resolver um problema que transcende o processo e alcança uma pessoa que foi vítima de um acidente, procurando dar a ela amparo de sustentação ética e material."
Recomeço
Em 27 de abril deste ano, Ladi foi encontrado pela reportagem numa casa de geriatria, na grande Florianópolis, onde aguarda novas fases do tratamento. Ele conta que, na virada do ano, conseguiu finalmente adquirir uma casa - preocupação da juíza - que se encontra alugada temporariamente, já que nas suas atuais condições físicas ainda não pode dispensar atendimento de terceiros.
O trabalhador já passou por alguns tratamentos de reabilitação. A convivência com pessoas que superaram situações piores que as dele serviram de estímulo para recomeçar. Ele aprendeu a se locomover em cadeira de rodas e pretende montar uma pequena marcenaria, quando tiver alta, ou trabalhar com artesanato, duas atividades que conhece e pode exercer na condição de cadeirante.
Ladi ainda se queixa da lentidão da recuperação, que atribui à burocracia, à desatenção e ao pouco caso no atendimento do sistema público de saúde, o único a que tem acesso. Mas, para ele, a Justiça do Trabalho, nesse caso, funcionou: "Se não fosse a juíza, eu estaria morto", conclui.
Fonte: (Caio Teixeira/TRT da 12ª Região-SC)