Artigo - A evolução da magistratura brasileira

José Lucio Munhoz - Conselheiro do Conselho Nacional de Justiça, juiz do Trabalho e mestre em Direito

22/09/2011 16h14

Nos últimos anos ocorreu uma verdadeira revolução na atuação da magistratura brasileira e, para isso, não foram necessários movimentos externos ou manifestações das ruas. Foram mudanças de dentro para fora, decorrentes do amadurecimento democrático, da renovação e da consciência dos juízes quanto aos valores republicanos estampados na sua função institucional.

Os próprios juízes lutaram pela fixação de um teto remuneratório único e transparente, rompendo com a cultura de marajás que reinava em alguns poucos tribunais do país. Foi de iniciativa da magistratura a luta contra o nepotismo no Judiciário, por meio de processos apresentados perante o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Supremo Tribunal Federal (STF). Coube aos juízes, ainda, atuar pela regulamentação do uso dos carros oficiais nos tribunais e estabelecer critérios objetivos nas designações e promoções.

O juiz, aos poucos, foi deixando a atuação reclusa para realizar ações sociais, interagindo com a comunidade. São exemplos as audiências públicas, palestras em universidades, eventos de solidariedade, estímulo à adoção, atos contra a corrupção, enfrentamento ao trabalho escravo, ações educacionais de cidadania e justiça nas escolas, combate ao bullying, eventos de conscientização sobre o trabalho e a prostituição infantil, programas de reinserção do ex-presidiário à sociedade, ataque às drogas etc.

Mesmo na sua esfera profissional, muitos foram os avanços internamente promovidos no Judiciário, como as campanhas de estímulo à conciliação, maior desburocratização do processo, gravação de audiências, desenvolvimento do processo eletrônico, estabelecimento de metas, juizados itinerantes, mutirões, garantia de medicação e tratamento aos doentes, punição e prisão aos que desonram a toga, aperfeiçoamento das escolas da magistratura, ataque ao crime organizado, entre outros.

Esse conjunto de circunstâncias tirou o magistrado da zona de conforto pessoal em que se encontrava — cuidando apenas dos despachos e sentenças em seus gabinetes —, para colocá-lo no centro da solução dos litígios. De um profissional quase sem rosto e escondido, o juiz passou a ser, em muitos casos, o guardião da comunidade na efetividade da Justiça e, exatamente por isso, alguém a ser combatido por aqueles que possuem interesses contrariados.

Na última década tivemos diversos ataques contra magistrados. Quatro deles foram assassinados e mais de uma centena de juízes convivem com ameaças de morte. Em outros casos, tentam matar o magistrado atacando-o naquilo que lhe é mais caro: a honra. Procuram atingi-lo em sua independência, dignidade ou fragilizá-lo com campanhas difamatórias ou denúncias inconsistentes, que lhe provocam desgastes ou o desvio do foco de sua atuação institucional.

Esse caminho trilhado pela magistratura brasileira — em boa medida também pelo Ministério Público e advocacia — precisa avançar; não pode comportar retrocessos, não obstante a maior pressão e as consequências trazidas para o profissional, hoje objeto de maior controle, fiscalização e policiamento público. O trabalho do magistrado é extremamente penoso, pois trava combates internos em sua própria essência para fazer justiça, diante de uma legislação defasada e, não raro, com a ausência completa de condições estruturais.

As angústias e frustrações por não conseguir efetivar a Justiça em todos os casos, combinadas com um ambiente estruturalmente carente, com excesso de trabalho, sem proteção e de risco, geram males terríveis à sua pessoa, como recentemente comprovado em estudo sobre a saúde dos juízes brasileiros.

É preciso que a sociedade tome consciência dessa evolução, reconheça o que já foi feito e continue a apoiar tais avanços, para o muito que ainda precisa ser realizado. Não se pode deixar de cobrar dos juízes um desempenho condigno e ético, mas é preciso também valorizar sua atuação e exigir que lhes sejam asseguradas condições de trabalho adequadas e seguras.

O magistrado, mais que qualquer cidadão, aspira à edificação de uma sociedade justa e solidária. Mas não é correto que essa construção se dê ao custo pessoal dos juízes ou com a violação de suas próprias garantias constitucionais, inclusive remuneratórias. É fundamental assegurar ao magistrado os seus direitos, pois só assim teremos uma Justiça forte, moderna e ativa, como deve ser o desejo da sociedade brasileira.

 

Fonte: Correio Braziliense

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