Palestra sobre novos danos e sua reparação encerra programação do 5º Ciclo da Escola Judicial do TRT/SC

17/08/2007 18h55

Imagine a seguinte situação: você e outras pessoas recebem um fax de caráter comercial que não solicitaram, processam a empresa que o transmitiu e ganham uma bolada de US$ 11,8 milhões de indenização. Pois não precisa mais imaginar: isso realmente aconteceu na cidade americana de Augusta, em abril de 2001. Esse novo tipo de ação judicial, bastante emblemático daquilo que se convencionou a chamar “indústria do processo”, foi tratado pelo professor de Direito Civil Anderson Schereiber, da PUC-RJ e da FGV, durante a palestra “Novos Danos e Sua Reparação”, que encerrou na tarde de sexta-feira (17) o 5º Ciclo de Preparação Inicial e de Aperfeiçoamento da Escola Judicial do TRT/SC.

“Na sociedade americana, hoje, uma pessoa não caminha na rua sem ficar pensando qual empresa irá processar caso tropece numa calçada”, sintetizou Schreiber, acrescentando que tal conduta começa a se espalhar pelos tribunais de outros países, inclusive do Brasil.

Na opinião dele, isso vem ocorrendo em razão da conjunção de três fatores: a super expansão da responsabilidade civil dentro do Direito, a ampliação daquilo que pode ser lesado (não só patrimônio, mas também valores morais e sentimentos, por exemplo) e a erosão dos chamados “filtros de reparação”, que nada mais são do que a necessidade de se fazer a prova de três elementos: a culpa do ofensor, o nexo causal entre o ato praticado e o dano sofrido e o dano propriamente dito (seja ele estético, material, moral etc).

Schreiber citou algumas leis e até mesmo alguns dispositivos constitucionais que dispensam a prova da culpa em caso de dano provocado, como a Lei de Estradas de Ferro, o Código Brasileiro da Aeronáutica e a Lei de Atividades Nucleares. O próprio Código Civil, no art. 27, parágrafo único, afirma que o agente causador será obrigado a reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos previstos em lei ou quando a atividade que desenvolve implicar risco para as outras pessoas.

Entre os novos danos surgidos no mundo do Direito, o professor da PUC-RJ citou os seguintes: dano à vida sexual, por nascimento indesejado, à identidade pessoal, por assédio moral, por férias arruinadas, por brincadeiras cruéis, de fracasso desportivo, ao senso estético, por ruptura de noivado, por abandono afetivo. Uma das propostas de Schreiber para se frear o crescimento do número de ações por dano moral, seria a Justiça encontrar outras formas de punição ao agente causador, além do mero pagamento de valores.
 

Função Social dos Contratos

Outro tema abordado pelo 5º Ciclo de Estudos da Escola Judicial do TRT/SC foi a função social dos contratos, durante palestra realizada na manhã de sexta-feira (17) por Rafael Peteffi da Silva, advogado e coordenador do mestrado do curso de Direito da Unisul. Ele fez uma explanação para os juízes do trabalho de SC sobre o “caráter inovador” de uma abordagem que vem sendo, aos poucos, considerada pela jurisprudência: a eficácia externa do contrato.

Significa dizer que, a partir dessa abordagem, um terceiro que tentar interferir no cumprimento de um contrato firmado entre duas partes poderá ser responsabilizado civilmente, o que não acontecia quando o contrato era analisado no âmbito de sua eficácia interna. Um caso clássico da teoria do terceiro cúmplice foi a condenação de uma empresa fornecedora de combustível: ela tentou cooptar uma rede de postos de gasolina que tinha contrato firmado com outra abastecedora.
 

Direitos Fundamentais e Relações Contratuais

A palestra de abertura do 5º Ciclo de Estudos da Escola Judicial – Etapa de Aperfeiçoamento ocorreu na noite de quinta-feira (16) e foi realizada pelo professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Paulo Roberto Ribeiro Nalin. O tema abordado foi a cada vez mais constante subordinação das relações contratuais aos direitos fundamentais.

No caso do Brasil, Nalin entende que a partir da Constituição de 1988 começou a se estabelecer uma nova autonomia da vontade, em que a individualidade humana teve que se inserir no conjunto dos valores coletivos. “Isso decorre, em grande parte, do destaque que passaram a ter os chamados direitos de terceira geração, como os direitos do consumidor”, explica o professor.

Esses novos valores interpretativos do Direito, segundo Nalin, induziram a uma nova reflexão da magistratura a respeito de alguns conceitos, como o de boa-fé e do próprio sentido de igualdade da justiça contratual. Foi o caso, por exemplo, de ações judiciais envolvendo contratos financeiros cujo equilíbrio foi alterado bruscamente em razão de planos econômicos – por exemplo, aqueles que tinham como índices de correção a variação do dólar, firmados antes da desvalorização cambial de janeiro de 1999.

Nesses casos, segundo o professor da UFPR, não vale simplesmente a velha máxima de que assinou, tem que cumprir. “A maioria dos entendimentos foi no sentido de que deveria haver uma redistribuição do prejuízo entre o credor e o devedor”, explicou Nalin. Em resumo, segundo ele, nesses casos que envolvem direitos fundamentais deve haver uma hierarquia de princípios a serem observados pelo julgador, que extrapolam a Justiça Contratual, ordenada da seguinte forma: os existenciais, os sociais e, somente depois, os patrimoniais.
 

Visitas

A programação do 5º Ciclo de Preparação Inicial e de Aperfeiçoamento de 2007 da Escola Judicial foi marcada por uma série de visitas a indústrias da região carbonífera de Santa Catarina. O grupo de juízes aprovados no último concurso conheceu, na terça-feira, as instalações da Indústria de Embalagens Plásticas Canguru Ltda.

Na quarta-feira houve uma incursão subterrânea pelas galerias de uma mina de carvão localizada no município de Forquilhinha, que contou inclusive com a cobertura de uma equipe do núcleo de reportagens para a rede Globo, instalado na RBS TV. Os visitantes tiveram contato com a rotina de trabalho, longe da luz do sol, dos mineiros da Carbonífera Criciúma S/A. À tarde o grupo conheceu uma indústria cerâmica - Eliane - no município de Cocal do Sul.

O roteiro terminou na quinta-feira (16), em Nova Veneza, na visita à Agroavícola Vêneto Ltda. Em seguida, à tarde, a juíza do trabalho Mirna Uliano Bertoldi, titular da Vara do Trabalho de Timbó, encerrou o ciclo de preparação falando sobre aspectos jurídico-deontológicos da atividade jurisdicional.

 

 

Fonte: Ascom - 17.08.07, às 18h55min

 

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