Sebastião Tavares Pereira, que é juiz aposentado do TRT-12, palestrou sobre tema em evento da Escola Judicial
A nova geração de programas de inteligência artificial pode ter um papel decisivo para o avanço do Judiciário, ajudando não apenas em tarefas repetitivas, mas também auxiliando magistrados a enxergar padrões inéditos sobre suas próprias decisões. A afirmação é do juiz aposentado do TRT-12 Sebastião Tavares Pereira, que abordou o tema na sexta-feira (3), durante o painel de encerramento do segundo módulo de formação continuada da Escola Judicial neste ano.
Autor de um livro dedicado ao tema, Pereira defendeu que a magistratura deve estar familiarizada com o “pensar digital” que já perpassa todas as esferas do cotidiano. De acordo com ele, não é mais possível pensar as relações civis e comerciais sem compreender o papel dos algoritmos (conjuntos de instruções) que regem aplicativos e ambientes virtuais.
“Já fazemos quase tudo pela internet, a tecnologia nos acompanha do acordar ao dormir. Celulares e tablets são nossos despertadores e livros de cabeceira”, comparou, argumentando que a tecnologia não deve ser vista como intrinsecamente boa nem má. “Mas ela também não é neutra, já que transforma”, alertou.
Nova fronteira
Segundo Pereira, tarefas repetitivas e com regras bem definidas — o cálculo de um prazo processual ou a liquidação de uma sentença — já podem ser confiadas aos algoritmos clássicos, programados por humanos. “Nesse caso, a automação reduz o trabalho humano repetitivo, ou seja, o uso de humanos como máquinas”, argumentou.
A situação muda com a chegada de uma nova geração de programas conhecidos como aprendizes, capazes de alterar seu próprio código. De acordo com o palestrante, a emergência da chamada inteligência artificial amplia radicalmente o potencial de uso de robôs, permitindo que máquinas assumam tarefas extremamente complexas, que antes só podiam ser feitas por humanos.
“Essa limitação existia porque nem toda atividade era passível de ser programada, pelo menos por programadores humanos. Como esses novos softwares podem aprender e estão acumulando uma base de dados cada vez maior, conseguem realizar tarefas que exigem interpretação e uma multiplicidade de pontos de vista, como, por exemplo, separar e-mails importantes do que é lixo eletrônico”, afirmou Pereira.
Auxílio a juízes
Na visão do palestrante, o principal uso da inteligência artificial que poderia ajudar magistrados está na capacidade inédita dos programas aprendizes de revelar padrões ocultos a partir de grandes bases de dados. Ele citou o caso de um programa que, utilizando apenas imagens de raio-X e tomografias, conseguiu identificar a etnia dos pacientes, mesmo sem ter sido originalmente programado para isso.
“Os cientistas ainda não conseguem entender como o programa faz isso, mas o fato é que o algoritmo consegue identificar relações que escapam ao olhar humano. Outro programa mostrou que, diante de casos muito semelhantes, juízes norte-americanos tendiam a condenar afrodescendentes a penas maiores”, mencionou.
Embora acredite que a IA possa ajudar a tornar as decisões judiciais menos influenciáveis a erros ou preconceitos humanos, o palestrante ressalvou algumas limitações da nova tecnologia, como a tendência dos programas aprendizes a perpetuar pontos de vista e o fato de que os resultados obtidos não são respostas exatas, mas probabilidades estatísticas.
"Um dos maiores problemas é que esses códigos viram verdadeiras ‘caixas-pretas’: a partir do momento em que a mudança do algoritmo passa ser feita pela máquina, fica impossível vasculhar todas as regras por trás do algoritmo”, afirmou.
Ainda assim, Sebastião Pereira defende que a inteligência artificial pode e deve ser uma fonte de consulta para os juízes. “A disrupção é a marca do nosso tempo, nós experimentamos uma total mudança na prestação dos serviços do Judiciário durante a pandemia, por exemplo. Os maus já estão usando eficazmente essas novas tecnologias, os bons precisam fazer o mesmo”.
Desafios do metaverso
Também palestrante do evento, o professor Gustavo Silveira Borges (Unesc) fez uma síntese dos principais avanços tecnológicos em andamento, entre eles o metaverso, termo usado para designar a nova geração de ambientes virtuais digitais. O docente disse que a evolução de dispositivos digitais como luvas e óculos tenderá a reforçar a importância desses espaços, o que traz desafios à Justiça trabalhista.
“Já tivemos casos de assédio dentro do metaverso e há muitas outras questões que ainda não estão claras: qual é a lei trabalhista que rege reuniões dentro desses ambientes? Os jogos que pagam os usuários podem esconder algum tipo de relação de trabalho?”, perguntou o professor, observando que a cada ano surgem novas profissões relacionadas à cultura digital.
Encerrando a manhã de debates, o desembargador aposentado do TRT-3 (MG) José Eduardo de Resende Chaves Júnior sustentou que o Judiciário precisa estudar e compreender a lógica das novas plataformas digitais para resguardar o que chamou de “uso humano da tecnologia”. “O que nos preocupa não é a automatização da economia, mas a robotização do trabalhador”, afirmou.
Chaves Junior argumentou que as plataformas permitem às empresas pagar apenas pelo tempo efetivo de trabalho e fragmentam ainda mais as funções laborais, além de capturar o que chamou de energia de cooperação social. “Tudo isso reduziu a renda média dos trabalhadores e fez as jornadas voltarem a níveis do início da sociedade industrial”, destacou.
O pesquisador citou algumas iniciativas que tentam contrabalançar a assimetria de poder das plataformas, entre elas um programa do governo espanhol que usa inteligência artificial para fiscalizar horas extras e uma nova lei da Califórnia que obriga as plataformas a definir previamente a jornada do colaborador no momento da contratação. “O Direito deve ser o limitador desse novo poder dos dados”, concluiu o palestrante.
Texto: Fábio Borges
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