Decisão da 3ª Turma considerou comprovada a quebra de confiança no vínculo empregatício; relatório apresentado no processo apontou desvio de 12 toneladas
Uma nutricionista dispensada por comercializar carnes destinadas à merenda escolar teve a justa causa confirmada pela Justiça do Trabalho. A decisão é da 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região (TRT-SC), que concluiu que a conduta da trabalhadora comprometeu a relação de confiança necessária à continuidade do vínculo de emprego.
O caso aconteceu em 2019, no município de Criciúma, sul de Santa Catarina. A trabalhadora havia sido contratada cerca de dez anos antes por uma associação civil sem fins lucrativos responsável por fornecer alimentação a 32 centros de educação infantil (CEIs) da rede pública municipal. Entre as atribuições da nutricionista, estava a requisição direta das carnes.
Irregularidades
Segundo o processo, a dispensa foi motivada pela comercialização indevida da mercadoria. Uma auditoria interna apontou divergência de 12,3 toneladas entre os volumes recebidos pela central de alimentos e os efetivamente entregues às creches, com prejuízo estimado em mais de R$ 145 mil.
De acordo com a Operação Bocas Famintas, da Polícia Civil, a nutricionista comprava a carne e colocava um percentual a mais para cada CEI. Esse excedente - e também parte do que era de fato entregue às escolas - era retirado por ela para revenda pessoal, num esquema que envolveu um taxista e outras cinco pessoas, indiciadas por receptação. Os desvios aconteceram ao longo de dois anos.
Testemunhas relataram ainda que a nutricionista solicitava o transporte das carnes por meio de caminhões terceirizados e sem refrigeração, o que contrariava os procedimentos internos.
Suspensão disciplinar e prisão
A associação aplicou uma suspensão disciplinar de cinco dias após tomar conhecimento de que a empregada havia coordenado entregas fora dos padrões exigidos. Dias depois, a situação se agravou: a trabalhadora foi presa em flagrante após diligências apontarem que pacotes de carnes destinadas à merenda escolar foram encontrados no freezer da casa de uma taxista, que afirmou ter recebido os produtos como pagamento por serviços prestados à nutricionista.
Segundo o boletim de ocorrência, as embalagens traziam indicações de que os itens faziam parte do estoque reservado à merenda escolar do município. Após o episódio, a trabalhadora foi dispensada por justa causa.
Primeiro grau
Ao julgar o caso, o juízo da 2ª Vara do Trabalho de Criciúma entendeu que a conduta da nutricionista violou deveres básicos de lealdade e boa-fé, justificando a dispensa por justa causa com base no artigo 482, alínea “a”, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que trata do ato de improbidade.
Em sua defesa, a trabalhadora alegou que já havia sido punida com uma suspensão anterior pelos mesmos fatos, o que configuraria dupla penalização. No entanto, o juiz Ozéas de Castro, responsável pelo caso, entendeu que a suspensão dizia respeito ao transporte inadequado dos alimentos, enquanto a dispensa posterior se referia à comercialização dos produtos, configurando faltas distintas.
O magistrado também negou o pedido de indenização por danos morais protocolado pela autora.
Grande repercussão
Inconformada com a decisão, a trabalhadora recorreu ao TRT-SC pedindo a reversão da justa causa e o pagamento de R$ 50 mil por danos morais. No recurso, alegou que teve sua imagem exposta de forma indevida, que os fatos ganharam grande repercussão na região (“escândalo das carnes”) e que, por isso, não conseguiu se recolocar no mercado de trabalho.
No entanto, a decisão de Ozéas de Castro foi confirmada por unanimidade pela 3ª Turma do TRT-SC. O relator do caso, desembargador José Ernesto Manzi, afirmou que a improbidade ficou comprovada por meio dos documentos e depoimentos reunidos no processo.
“Diferente do que alega a recorrente, os elementos dos autos evidenciam que a autora desviou carnes, o que caracteriza, decerto, falta grave capaz de ensejar a dispensa por justa causa”, ressaltou.
Dano à imagem não caracterizado
O colegiado também manteve afastada a tese de dupla punição, confirmando que a suspensão e a demissão se basearam em condutas diferentes. Quanto ao pedido de indenização por danos morais, o colegiado concluiu que a autora não apresentou provas de que tenha sofrido exposição pública causada pelo empregador ou prejuízo direto à sua imagem.
Segundo o relator, mesmo que o caso tenha tido alguma repercussão na comunidade por envolver o desvio de merenda escolar, isso não poderia ser atribuído à associação, já que “não houve prova de conduta dolosa ou culposa” da instituição nesse sentido.
Além disso, Manzi ressaltou que a dificuldade de recolocação no mercado de trabalho, mencionada pela trabalhadora, não é suficiente por si só para demonstrar um dano à imagem causado pelo empregador.
A decisão está em prazo de recurso.
Processo 0000591-85.2021.5.12.002
Texto: Carlos Nogueira
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