Caso de Santa Catarina que inaugurou julgamentos sobre racismo no TST completa 30 anos

Em 1995, a 2ª Junta de Conciliação e Julgamento de São José reconheceu demissão discriminatória de trabalhador da Eletrosul; decisão foi confirmada posteriormente na corte superior

14/11/2025 13h15, atualizada em 14/11/2025 15h09
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O Dia da Consciência Negra é celebrado anualmente em 20 de novembro. Com a proximidade da data, resgatamos, em parceria com a Seção de Memória do TRT-SC, uma decisão que entrou para a história do país.

Aconteceu em 1995, quando, na então 2ª Junta de Conciliação e Julgamento de São José, o juiz Alexandre Luiz Ramos, hoje ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST), reconheceu que a dispensa de um assistente técnico da Eletrosul havia ocorrido por motivos raciais.

A sentença determinou a reintegração imediata do trabalhador ao antigo posto e acabou se tornando um marco jurídico: o primeiro processo no Brasil envolvendo denúncia de racismo a chegar ao TST.
 

Chefe quis “clarear departamento”


Vicente Francisco do Espírito Santo, parte autora, havia sido admitido em 1º de janeiro de 1975 e dispensado sem justa causa em 1992, após 17 anos de serviço. No processo na Justiça do Trabalho, testemunhas relataram que o superior hierárquico, ao saber que o trabalhador buscava explicações para a demissão, teria dito: “O que este crioulo quer, agora que conseguimos clarear o departamento?”.

O relato foi decisivo para o juiz concluir que a Eletrosul, na época uma empresa pública, havia praticado ato discriminatório vedado pela Constituição Federal.
 

Sentença


Na sentença assinada em janeiro de 1995, Alexandre Ramos observou que o racismo “corrói silenciosamente o tecido social” e que a demissão, embora formalmente sem justa causa, reproduzia um padrão histórico de exclusão racial.

Ramos também observou que, muitas vezes, o racismo se manifesta de forma velada. “Alguém pode ser extremamente racista e não expressar verbalmente tal sentimento. O racismo silencioso é o mais devastador e perverso. Um olhar, um gesto, uma expressão facial podem revelar aquilo que nenhuma palavra conseguiria exprimir. Mas como provar que um olhar é racista?”, questionou o magistrado.

O magistrado também ordenou que Vicente retornasse ao posto enquanto o caso seguisse em tramitação e que recebesse retroativamente pelos três anos em que ficou afastado da empresa.
 

Homem negro de terno claro e gravata estampada está em pé diante de um prédio público com a palavra “TRIBUNAL” na fachada
Vicente do Espírito Santo foi reintegrado ao cargo de assistente técnico da Eletrosul. Fonte: Acervo O Globo


À época, a decisão foi proferida por uma Junta de Conciliação e Julgamento, órgão de primeira instância da Justiça do Trabalho que contava com representação classista de empregados e empregadores. Esse modelo foi extinto em 1999, com a Emenda Constitucional nº 24, que instituiu as atuais varas do trabalho e acabou com os juízes classistas.
 

Decisão mantida no TRT-SC


Inconformada com o desfecho, a Eletrosul recorreu para o segundo grau de julgamento. No entanto, em 1996, a sentença foi mantida pela 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região (TRT-SC), com relatoria do juiz togado (nomenclatura da época para os desembargadores) Antônio Carlos Facioli Chedid, hoje aposentado.

Em seu voto, Chedid reafirmou a conclusão de que o empregado foi dispensado em razão da cor da pele, classificando o ato como “odioso, ilegal, antiético, imoral e criminoso”. O acórdão também elogiou a fundamentação da sentença de primeiro grau e destacou que, embora a Eletrosul, enquanto pessoa jurídica, não pudesse cometer ato de racismo, era responsável “objetivamente pelos danos cometidos por seus agentes”.
 

Ineditismo no TST


Além do recurso ordinário, que foi negado pelo TRT-SC, a Eletrosul também tentou impedir a reintegração do empregado por meio de um mandado de segurança. Com isso, ainda em 1996 o caso chegou ao Tribunal Superior do Trabalho, em Brasília.

Durante o julgamento, o relator do caso na Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, ministro Valdir Righetto, votou por negar o pedido da empresa, sendo acompanhado pela maioria do colegiado (5 votos a 1). A decisão, noticiada em diversos jornais nacionais e internacionais, foi considerada a primeira vez que a Corte máxima da Justiça do Trabalho julgou um caso envolvendo racismo.

Dois anos depois, em 1998, a 3ª Turma do TST encerrou o processo. O relator, juiz convocado Tarcísio Alberto Giboski, confirmou a decisão do TRT-SC no recurso principal e manteve no cargo Vicente Francisco do Espírito Santo, que morreu em 2011.

 

Imagem de recorte da matéria publicada no jornal O Globo. Vítima de racismo ganha emprego de volta


 

Três décadas depois


Desde então, inúmeras ações semelhantes passaram a chegar aos tribunais regionais e ao TST, consolidando o entendimento de que a discriminação racial no ambiente de trabalho fere a Constituição e enseja reparação.

Essa trajetória teve outro marco recente, em 2024, quando o Conselho Nacional de Justiça instituiu o Protocolo para Julgamento com Perspectiva Racial (link externo). Em síntese, o documento orienta magistrados e magistradas de todas as esferas do país a considerar os efeitos estruturais do racismo nas decisões judiciais.

 

Texto: Carlos Nogueira
Secretaria de Comunicação Social
Divisão de Redação, Criação e Assessoria de Imprensa 
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