Após cinco anos da implantação, juiz espanhol considera que reforma trabalhista em seu país aumentou demanda judicial

20/09/2017 18h59
Jesús Rentero
Jesús Rentero fará a conferência de abertura do terceiro módulo de estudos da Escola Judicial


O juiz espanhol da Câmara Social do Tribunal Superior de Justiça de Castilla-La Mancha Jesús Ramón Rentero fará a conferência de abertura do terceiro módulo de estudos da Escola Judicial do TRT-SC, que acontece de 27 a 29 de setembro no auditório da sede administrativa (Esteves Júnior), em Florianópolis. O evento é voltado a magistrados e assessores do Tribunal.

A palestra de Rentero será sobre “Processo do Trabalho na Espanha e a Litigiosidade”. Adiantando o assunto da apresentação, o magistrado respondeu à Secretaria de Comunicação do TRT-SC seis perguntas enviadas por e-mail. Veja abaixo.

A Espanha aprovou uma reforma trabalhista em 2012. Quais foram as principais mudanças implementadas?

As reformas trabalhistas de 2012, durante o governo do Partido Popular, foram precedidas por outras duas de menor intensidade, em 2010 e 2011, no governo do Partido Socialista Operário Espanhol. Com o conjunto de todas elas, especialmente as de 2012, adotadas unilateralmente pelo governo e sua maioria parlamentar, foram reduzidos tanto os direitos individuais como os coletivos. Também foram atingidos os direitos de seguridade social. As mudanças se destinaram a todos os trabalhadores, inclusive aos empregados públicos, que talvez tenham sido os mais afetados. (veja no box abaixo as mudanças destacadas pelo magistrado espanhol)

Passados cinco anos, como o senhor avalia a reforma? Houve êxito?

Sucintamente, pode-se dizer que, após cinco anos, a reforma alcançou a finalidade buscada pelo governo e os interesses que representa: diminuiu salários, aumentou os contratos temporários e a precariedade, deu aparência de menor desemprego (aumentou o retorno de trabalhadores estrangeiros e a saída de universitários espanhóis para outros países em busca de trabalhos mais adequados) e houve um grande incremento no lucro das empresas, com um alarmante aumento do número de milionários espanhóis, segundo estatísticas oficiais, enquanto aumenta também o número de “trabalhadores pobres”.

E quais foram os impactos na litigiosidade trabalhista?

Os conflitos trabalhistas continuaram, como resultado da redução de direitos e das despedidas coletivas, e, apesar do medo de perder o emprego, a judicialização aumentou. Com isso também se alargou o tempo médio de resposta judicial, pois a estrutura judiciária, que é a segunda menor da União Europeia, proporcionalmente, com 11,2 juízes para cada 100 mil habitantes – longe da média europeia de 20 juízes para cada 100 mil habitantes –, se manteve congelada. A estrutura também é uma das menores da Europa como um todo, com a diminuição dos investimentos por habitante na Justiça, introdução de novas taxas judiciais (declaradas inconstitucionais pelo Tribunal Constitucional), estrutura obsoleta e sem grandes avanços na informática, que é bem deficiente.

No processo trabalhista brasileiro, a litigância de má-fé, ou seja, quando a parte realiza ato que retarde o processo ou prejudique intencionalmente o adversário, pode ser punida com multa. Na Espanha também é prevista punição para essa prática?

Assim como no Brasil, também na Espanha, e especificamente no processo trabalhista, existe a possibilidade de que, de ofício ou a pedido da parte, possa ser considerado que tenha existido má-fé de uma das partes. Isso pode acontecer tanto na primeira instância quanto em grau de recurso, e deve ser decidido razoavelmente na sentença judicial. No caso de punição pode ser imposta multa e, além disso, quem cometeu tal ação é condenado a pagar os custos do litígio. Na prática, não é algo muito frequente.

No Brasil, a conciliação entre as partes é bastante incentivada como forma de solucionar conflitos na Justiça. Na Espanha esse movimento também é forte? Em caso positivo, tem alcançado bons resultados?

Na Espanha sempre houve a conciliação em sede administrativa, antes de poder ser apresentada a demanda judicial - obrigatoriedade que pode ser excepcionada em algumas matérias consideradas urgentes. Quando se pretende processar a Administração Pública, a demanda é substituída por uma reclamação prévia direcionada à própria Administração. Nas disputas coletivas, antes da demanda judicial também é obrigatório tentar uma mediação, perante um órgão criado para esse fim. Em todos os casos, antes do início do julgamento, pelo menos formalmente, deve ser tentada uma conciliação. Antigamente isso deveria ser feito perante o próprio órgão judicial, e agora pode ser feito diante do secretário judicial, também chamado de letrado da administração da justiça.

Quanto à efetividade de tais tentativas de resolução de disputas individuais ou coletivas, em geral não é grande, exceto em matéria de direito coletivo. Pode-se considerar que se resolvem na maioria das vezes as questões que já haviam sido anteriormente combinadas entre as partes, formalizando-se dessa forma um acordo já existente, e então não se alcança um alto índice de conciliações que já não estivessem anteriormente estabelecidas. Não parece, em suma, que o esforço para manter várias instituições nesta direção alcance um retorno social suficiente.

O principal problema da Justiça do Trabalho no Brasil é tentar cobrar a dívida das empresas condenadas, a chamada fase de execução. Somente no Estado de Santa Catarina, dos 71 mil processos com decisão definitiva, 26 mil estão em arquivo provisório, ou seja, foram arquivados depois de várias tentativas, sem sucesso, de cobrar os valores devidos. A Espanha enfrenta o mesmo problema?

Apenas parcialmente, pois existe uma instituição de garantia, o chamado Fundo de Garantia Salarial (FGS), que é basicamente financiado através da contribuição de empresas (públicas e privadas) e garante o pagamento subsidiário dos créditos indenizatórios e débitos salariais no caso de insolvência, até um limite quantitativo. O valor está definido no Estatuto dos Trabalhadores e equivale a no máximo um ano de salário, quando se tratar de indenizações por extinção de contrato, limitado a um teto, e a 120 dias de salário nos créditos salariais pendentes. O Fundo assume a obrigação trabalhista, que pode ser cobrada caso a empresa melhore de situação. A regulamentação está em conformidade com a diretiva da União Europeia sobre a proteção dos trabalhadores em caso de insolvência do empregador (uma norma européia que gerou um grande conflito interpretativo).

Principais mudanças da reforma trabalhista na Espanha, segundo Jesús Rentero:

- Facilitação da contratação temporária por meio da criação do contrato de trabalho para empresários, cujo período de experiência é de um ano;

- Redução das cláusulas indenizatórias em caso de demissão ilegal;

- Facilitação da demissão coletiva causal, eliminando a autorização administrativa, anteriormente obrigatória;

- Diminuição e estagnação salarial em todo o emprego público, sendo que o salário mínimo interprofissional foi congelado em 649 euros até 2017;

- Congelamento e perda do poder aquisitivo das pensões;

- Aumento gradual nas contribuições necessárias para ter direito ao valor máximo das pensões;

- Modificação na regulamentação das negociações coletivas, dando preferência à convenção coletiva da empresa sobre a de âmbito superior, o que significou uma redução drástica nos salários

- Limitação da ultratividade do convênio coletivo, quando não for possível negociar um novo: isso significa que, após um ano, são aplicados os mínimos estabelecidos no Estatuto dos Trabalhadores em substituição aos direitos, salariais inclusive, do convênio anterior.

- Diminuição e/ou eliminação dos auxílios econômicos estatais para os sindicatos, dificultando-lhes o funcionamento.

 


 


Texto: Carlos Nogueira / Foto: arquivo pessoal
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