Personagens que participaram do lançamento na VT de Navegantes relembram as dificuldades iniciais e comentam a evolução do principal sistema de processo eletrônico do país
Aconteceu em 5 de dezembro de 2011. Bastou o preenchimento de alguns campos na tela do computador para que os familiares do pescador Ailton Agenor da Rosa, vítima fatal de um naufrágio, soubessem na hora a data da audiência. O gesto foi um divisor de águas na história da Justiça do Trabalho e ocorreu durante a solenidade de implantação do Processo Judicial Eletrônico (PJe), que acaba de completar 10 anos de funcionamento.
A unidade escolhida para ser a pioneira foi a Vara do Trabalho de Navegantes, cidade vizinha à Itajaí, litoral norte catarinense, inaugurada no mesmo dia. Peça-chave no processo de implantação, o desembargador aposentado Gilmar Cavalieri, presidente do TRT à época, relembra os motivos que levaram o TST a escolher Santa Catarina para inaugurar o PJe.
“Acredito que o engajamento e o interesse de nossa equipe de TI, que já era reconhecida nacionalmente, em avançar com o processo eletrônico foi determinante para que o ministro João Oreste Dalazen, então presidente do TST, nos escolhesse. Embora tivéssemos nosso próprio processo eletrônico (Provi) e com aprovação entre os usuários, ele funcionava apenas em três fóruns e não tinha mais como evoluir tecnologicamente”, relata Cavalieri, cujo gabinete foi o primeiro a receber recursos do PJe no Brasil, em março de 2012.
De acordo com ele, com a criação do PJe a prestação jurisdicional passou a ser muito mais ágil, eficiente, sustentável e econômica. “Muitos TRTs possuíam seus próprios sistemas de processo eletrônico, incompatíveis entre si, revelando-se ineficientes e muito mais caros ao erário. Se o PJe tivesse sido adotado por todo o Judiciário de nosso país, e não apenas na Justiça do Trabalho, como era a ideia original, teríamos uma plataforma única, com ganhos de eficiência e maior acessibilidade para todos os jurisdicionados”, garante.
Um dos servidores mais engajados na empreitada foi George Alexandre Silva, diretor da Secretaria de Tecnologia da Informação do Tribunal à época. Segundo ele, a inovação e a cultura de processo eletrônico em curso com o Provi foi algo “precioso” para o PJe.
“Houve dificuldades, sim, que decorriam basicamente de o PJe não dispor, no início, das ferramentas e soluções que já tínhamos implementado e testado. Mas a equipe que auxiliou na implantação foi fator decisivo para o sucesso e desenvolvimento do que o PJe é hoje, com grande apoio da administração do Tribunal, dos técnicos da Setic, dos colegas de primeiro grau e dos magistrados. Foi uma grande honra e felicidade gerir esse projeto e ver o empenho de todas as áreas do TRT-SC trabalhando em conjunto”, lembra Silva.
Armários e mais armários
De acordo com dados da Coordenadoria de Estatística e Pesquisa do TST, entre janeiro de 2014 e outubro de 2021 já tramitaram, na fase de conhecimento, 15,7 milhões processos no primeiro grau, dos quais 15,1 milhões são exclusivamente eletrônicos. Atualmente, há cerca de 1,9 milhão de processos em fase de conhecimento em tramitação pelo PJe (1,3 milhão em primeiro grau e 531 mil em segundo grau). Na fase de execução, são 2 milhões de processos em movimentação no sistema.
O PJe é um sistema nacional e unificado, que aumenta a celeridade e diminui a burocracia, além de ser facilmente acessível. “Antes, todos os movimentos processuais eram feitos de forma física”, lembra o coordenador nacional do PJe-JT, juiz Fabiano Pfeilsticker. “Era preciso uma pessoa para levar as petições aos fóruns e protocolá-las. Se o juiz precisasse assinar 300 processos em um dia, um servidor precisava separá-los e colocá-los sobre a mesa. Eram armários e mais armários para estocar esses processos e um volume muito grande de documentos”, recorda.
O PJe exterminou essas tarefas burocráticas, os chamados ‘tempos mortos’ do processo. “Juntar papel, recortar, colar, furar, etiquetar, carimbar, rotular, todas essas atividades deixam de existir”, assinala Pfeilsticker. “Partes, advogados, servidores e magistrados podem consultar as peças a qualquer momento do dia, com uma estrutura simples - apenas um computador e conexão com a internet”.
O resultado disso está na duração dos processos. De acordo com o TST, na fase de conhecimento, do ajuizamento à sentença o tempo médio é de 107 dias no PJe, contra 189 dos processos físicos. Na fase de execução, esse tempo leva 140 dias em média, em comparação aos 734 dias do processo físico. Os números levam em consideração todos os processos do país e dizem respeito ao primeiro grau.
Um susto e um presente
O juiz titular da VT de Navegantes à época, Luiz Carlos Roveda (hoje aposentado), conta que, quando optou por ocupar a vaga, não sabia que seria a primeira vara totalmente eletrônica do Brasil. “Foi um susto, de um lado, e um presente, de outro”, lembra. “Dizíamos que a experiência era como uma embarcação solta para singrar mares desconhecidos e, por coincidência do destino, estava eu como timoneiro, com uma pequena tripulação, cheios de vontade. Conforme enfatizei no dia da inauguração, éramos todos navegantes”.
Segundo o magistrado, o PJe descortinou uma nova realidade no trabalho. “Mesas limpas, impressora somente para emitir mandados, advogados e partes que só compareciam à audiência”, relata. “Deixou de existir balcão de atendimento cheio, busca de autos, manuseio, distribuição, verificação, burburinho, espera. A diferença em relação às varas com processo de papel era abissal. Tudo ficou mais limpo, mais ecológico, mais econômico, com tendência a maior eficiência”.
Um dos “tripulantes” de Roveda era o servidor Luiz Alexandre Bergmann. Apesar da vasta experiência à frente do Serviço de Distribuição da Capital, até então ele só havia comandado uma secretaria de vara por dois meses. Mesmo assim, foi escolhido pela Presidência para ser o primeiro diretor de Navegantes. O motivo era simples: ao lado de Éder Leone, Bergmann tinha sido um dos principais divulgadores e instrutores do Provi, o processo eletrônico “caseiro” do TRT-SC, tanto para o público externo quanto interno. Tamanha expertise não poderia ser desperdiçada num momento tão crucial.
Ele lembra que as dúvidas e receios foram muitos. “Logo de início, a resistência se instalou. Aliado a isso, tinha o fato de o sistema ser muito incipiente, o que assustou os advogados, acostumados a lidar com papel. Aí entrou em ação a “tropa de choque” do TRT-SC, formada por servidores preparados para enfrentar esse cenário, com experiência acumulada na implantação do Provi. Não poupamos esforços para amenizar o impacto da mudança radical que se apresentou naquele momento. Graças a esse esforço, o projeto saiu do ‘mundo dos sonhos’ e se tornou realidade”.
Momentos de tensão
O advogado Gustavo Villar Mello Guimarães, atual presidente da Comissão de Direito Trabalho da OAB-SC, acompanhou a implantação desde o início. Ele lembra que foram momentos de tensão para a advocacia, principalmente dos operadores que atuavam nos fóruns onde havia o Provi - então, com muito mais funcionalidades do que o PJe.
“Ao longo de dez anos, o PJe passou por atualizações e, consequentemente, apresentou inúmeras melhorias. Já não perdemos 40 minutos ou mais para o ajuizamento de uma ação e juntada dos respectivos documentos, como ocorria há alguns anos. O PJe também se mostra muito mais intuitivo ao usuário, por isso entendo que a comparação com o Provi não tem mais espaço nos dias atuais! Por outro lado, ainda sofremos a cada nova atualização de versão, principalmente quando ela gera alguma incompatibilidade com os sistemas acessórios. Enfim, completamos uma década de relacionamento com o PJe, sabedores de todas as melhorias que já foram implementadas, mas também cientes de que ainda há muito a ser feito para a melhoria desta relação”, analisa Guimarães.
Organismo vivo
Na avaliação do servidor do TRT-SC Roberto Carlos Almeida, que integra o Grupo Nacional de Negócio do PJe desde o lançamento, há um longo caminho pela frente porque a dinâmica tecnológica e as necessidades estão sempre presentes. “Estamos falando de um organismo vivo e infinito em termos de evolução, mas é fato que o PJe evoluiu consideravelmente em 10 anos de existência e hoje atingiu um patamar de excelência”, avalia.
Ele lembra que inicialmente foi feita apenas a adaptação do PJe da Justiça Federal, que desenvolveu o sistema originalmente, para as necessidades da Justiça do Trabalho, e foi muito difícil. Na medida que se avançava com a implantação, foram sendo implementadas novas funcionalidades para a melhoria do fluxo de trabalho, com a automação de várias tarefas, aprimorando a usabilidade e a acessibilidade.
“O caminho foi árduo e cheio de percalços até estabilizarmos o sistema. Atualmente estamos finalizando a migração do PJe 1x (1.0) para o PJe KZ (2.0), uma nova plataforma mais ágil e flexível e com um grau de segurança muito maior, que nos permite evoluir mais rapidamente”, explica Almeida, que também é diretor da Secretaria-Geral Judiciária do Tribunal.
Outro ponto positivo, segundo ele, foi a centralização da gestão do sistema no CSJT, conjugada com a descentralização de seu desenvolvimento em parceria com os 24 TRTs, o que possibilitou lançar várias versões a cada ano. “A partir da migração total para o PJeKZ será possível avançar consideravelmente para a utilização de Inteligência Artificial, já inserida em algumas funcionalidades. Por fim, tenho muita satisfação de ter contribuído com esse projeto desde o início, e ver o sistema chegar no patamar que se encontra é muito gratificante”, afirma o servidor.
Selo 100% PJe
Em junho de 2019, a Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho lançou o Selo 100% PJe, para reconhecer o esforço dos TRTs em migrar todo seu acervo para o sistema. Apenas cinco regiões (RJ, MG, BA, PA/AP e Campinas/SP) ainda não concluíram o processo, mas já estão com mais de 95% dos processos migrados.
Em números, faltam apenas 22.943 processos no primeiro grau e 11.805 no segundo grau, e 98,2% do acervo em tramitação já são eletrônicos. Com isso, a Justiça do Trabalho foi reconhecida pelo CNJ como segmento do Judiciário com maior índice de virtualização dos processos, com 100% dos casos novos eletrônicos no TST e 99,9% nos TRTs.
Texto: Clayton Wosgrau, com informações da Secom/TST / Fotos de arquivo: Adriano Ebenriter
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