Saiba o que pensa a juíza Maria de Lourdes Leiria, que assumiu seu lugar na 16ª cadeira do Pleno do TRT/SC
A juíza Maria de Lourdes Leiria tomou posse no cargo de juíza do Tribunal nessa sexta-feira (17), na sala de sessões do Tribunal Pleno. Restam ser preenchidas, agora, apenas duas das 18 vagas de juízes que compõem o segundo grau de jurisdição da Justiça do Trabalho catarinense.
Natural de Porto Alegre, com 21 anos de magistratura e concluindo doutorado sobre assédio sexual, ela é uma ferrenha defensora da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). “Discordo daqueles que entendem que a CLT é rigorosa. Entre outras permissões, até 10 minutos diários do tempo dos trabalhadores não é remunerado, o que representa a média de 2.640 minutos gratuitos por trabalhador-ano”, argumenta a magistrada, em entrevista concedida à Assessoria de Comunicação do TRT/SC.
Leia, a seguir, a entrevista completa.
Ascom TRT/SC: O que motivou a senhora a ser juíza?
Maria de Lourdes Leiria: Meu senso de justiça sempre foi muito apurado. Tive bons professores que eram magistrados e que me incentivaram. Transmitiram a paixão pelo ofício, contagiando-me com seu entusiasmo. Vi na magistratura do trabalho a possibilidade de contribuir para a paz social.
A pesquisa acadêmica da senhora gira em torno do assédio sexual. Sua tese de doutorado analisa esse fenômeno inclusive como um agente causador de doenças do trabalho. Como se dá essa a relação de causa e efeito?
A OIT define o assédio sexual como toda conduta não desejada ou inoportuna de caráter sexual, no local de trabalho ou em relação ao trabalho, que faça com que a pessoa se sinta humilhada, coagida, discriminada ou insultada. É o comportamento sexual coercitivo utilizado para controlar, influir ou afetar o emprego, a carreira ou a situação profissional de uma pessoa.
O assédio sexual fere a liberdade e dignidade dos trabalhadores, a sua integridade física e moral e afeta sua saúde. Também viola o direito à igualdade, visto que em sua maioria é praticado contra mulheres, caracterizando-se discriminação de gênero. Constitui tratamento desumano e degradante, e quando praticado por superiores hierárquicos constitui abuso do poder diretivo.
“Doença decorrente de assédio sexual laboral deve ser considerada doença do trabalho, ainda que oriunda de causas múltiplas”
A prática de assédio sexual laboral decorre da transgressão pelos empregadores do dever de proporcionar aos empregados condições de trabalho adequadas, mantendo o ambiente saudável, de forma que os trabalhadores conservem a saúde física e mental. O assédio pode gerar estresse, depressão, ansiedade, distúrbios do sono, dor de cabeça, pescoço, tensão muscular decorrente de temor e insegurança, distúrbios gastroduodenais, hipertensão entre outras.
Comprovado o assédio, toda e qualquer doença decorrente dessa violência deve ser considerada doença do trabalho, ainda que oriunda de causas múltiplas, tendo o assédio contribuído para a eclosão ou agravamento da enfermidade. Tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 7.202/2010, que propõe a alteração da Lei nº 8.213, art. 21, inciso II, alínea ‘b’, para que o assédio moral relacionado ao trabalho seja equiparado ao acidente de trabalho. O projeto vem ao encontro do que proponho em relação ao assédio sexual.
A Justiça do Trabalho costuma ser vista pelos pequenos empresários, principalmente quando condenados, como uma espécie de algoz. A senhora entende que deveria existir uma legislação trabalhista específica para as pequenas empresas, na medida em que muitas delas não conseguem suportar o rigor da CLT, originalmente criada para conter a superexploração do trabalho de 60 anos atrás?
Entendo que não deve haver distinção de legislação trabalhista. Os trabalhadores colocam à disposição dos empregadores sua força de trabalho, sua saúde e sua vida, independente do poder econômico dos empregadores. Não vejo o porquê de tratar diferente dois trabalhadores, apenas porque trabalham para empresas de porte econômico diferenciado. Assim como o empregador aufere os lucros do empreendimento, deve assumir os riscos decorrentes desse.
As pequenas empresas gozam de benefícios fiscais. Benefícios trabalhistas não se justificam porque afetariam diretamente a qualidade de vida dos trabalhadores
Discordo daqueles que entendem que a CLT é rigorosa. Os empregadores podem despedir imotivadamente os empregados que se dedicaram vários anos para a empresa. Até 10 minutos diários do tempo dos trabalhadores não é remunerado, o que representa a média de 2.640 minutos gratuitos por trabalhador-ano. Os empregadores têm 23 meses para conceder as férias e nem precisam ouvir o empregado. E o artigo 482 da CLT resguarda os empregadores de qualquer falta cometida pelos empregados da forma mais ampla possível. Apenas para citar alguns exemplos.
“As pequenas empresas gozam de benefícios fiscais. Benefícios trabalhistas não se justificam porque afetariam diretamente a qualidade de vida dos trabalhadores”
Muitos economistas entendem que a flexibilização da legislação trabalhista poderia trazer para formalidade muitos trabalhadores que se encontram, hoje, excluídos do manto protetor social. Outros dizem que isso seria uma forma de precarizar ainda mais as relações de trabalho, acentuando a desigualdade de renda no País. O que a senhora pensa disso?
A promoção do trabalho decente pressupõe a oferta de postos de trabalho suficientes para eliminar o desemprego. Sempre considerando a igualdade de gênero, sem qualquer forma de discriminação no ingresso ou no emprego e o respeito à dignidade dos trabalhadores e aos direitos sociais, de forma a proporcionar oportunidade para as famílias saírem da pobreza.
Na América Latina há 213 milhões de pessoas pobres. Esta situação social é o reflexo do que ocorre no mercado de trabalho, visto que o emprego é a principal fonte de progresso das famílias.
Alcançar o objetivo de fomentar o trabalho decente, promovendo oportunidades para que homens e mulheres tenham acesso ao trabalho produtivo em condições dignas, é a finalidade primordial da OIT e está intimamente ligada ao cumprimento dos quatro objetivos estratégicos da Organização: implantação dos princípios e direitos fundamentais no trabalho; criação de mais empregos e de maiores oportunidades de ingressos para homens e mulheres; ampliação da proteção social e promoção do diálogo social.
Antes de adentrar ao mérito propriamente dito, é importante salientar que a flexibilização já é uma realidade em nosso ordenamento jurídico. A CF/88 permite a flexibilização em três hipóteses: redução de salário; compensação de horários e duração da jornada; jornada de trabalho dos turnos ininterruptos de revezamento. E ainda, há diversas leis flexibilizadoras em vigor, como, por exemplo: lei do FGTS, do trabalho temporário e do trabalho em tempo parcial.
“O Direito do Trabalho é uma forma de distribuir renda e inserir o ser humano despossuído na sociedade capitalista”
O ponto central do direito do trabalho está umbilicalmente ligado a ideia de liberdade. Trabalhadores em situação precária de saúde, moradia, alimentação, educação etc, enfim, sem um mínimo existencial não são verdadeiramente livres. A real liberdade pressupõe um mínimo de condições que possibilite viver de forma digna e, oferecer tais condições é o escopo do direito do trabalho.
O Direito do Trabalho é uma forma de distribuir renda e inserir o ser humano despossuído na sociedade capitalista. Sua razão de ser é justamente frear a exploração do ser humano sobre o ser humano. Desta forma, defendo que direitos fundamentais não podem ser flexibilizados sob pena de não se alcançar o ideal de trabalho decente e a redução da pobreza, que é a maior das enfermidades.
Como a senhora avalia a atuação do Conselho Nacional de Justiça, principalmente no que tange ao afastamento de juízes? Existe mesmo um conflito de competência em relação às Corregedorias Estaduais?
O afastamento do magistrado é uma medida extrema. Diante da violação do dever funcional devidamente apurado, observado o contraditório e a ampla defesa, a bem do serviço público, entendo justificável.
No meu entendimento, não há conflito. A atuação eficaz da Corregedoria Estadual prescinde a manifestação do Conselho Nacional de Justiça. Diante da omissão ou ineficiência da Corregedoria Estadual cabe ao Conselho apurar as irregularidades.
A senhora entende que as súmulas vinculantes, de certa forma, ferem a independência de julgamento do magistrado, já que ele pode evitar proferir uma sentença que não produzirá efeitos?
Entendo que não. O STF só edita súmulas vinculantes após reiteradas decisões sobre a matéria.
A boa política judiciária recomenda que seja observada a jurisprudência dos tribunais superiores independente de haver ou não súmula a respeito, a fim de propiciar maior segurança jurídica aos jurisdicionados. Interessante salientar que as súmulas vinculantes têm similitude com os precedentes norte-americanos.
Penso que o magistrado independente é aquele que decide com fundamento nas normas, e não conforme suas convicções pessoais. O juiz exerce uma função social e deve se conscientizar dessa responsabilidade. A disparidade de julgamentos sobre a mesma matéria gera descrédito no Poder Judiciário fomentando o conflito social, o que não se coaduna com o objetivo do Direito.
“A disparidade de julgamentos sobre a mesma matéria gera descrédito no Poder Judiciário”
Os juízes de primeiro grau costumam ter um contato mais direto com as partes, em razão das audiências. No segundo grau, isso quase desaparece por completo. Esse afastamento beneficia ou prejudica o convencimento do magistrado ao decidir uma causa?
Defendo que esse afastamento das partes não interfere no convencimento dos juízes de 2º grau face a diversidade de competências entre as instâncias. Em apertada síntese, pode-se dizer que compete ao juiz de primeira instância julgar a lide, enquanto ao de segunda, revisar os julgados desse.
Sendo assim, penso que se deve privilegiar a valoração probatória do juiz de primeiro grau quando sua convicção estiver embasada em prova oral, já que a proximidade do magistrado com a prova possibilita uma maior percepção da realidade. Quanto à matéria documentada ou de direito a ausência de imediação não interfere na valoração do conjunto probatório.
A sua posse como juíza de segundo grau marca o início de uma atuação colegiada. Quais as suas expectativas em relação a essa nova fase na sua carreira?
Já estive convocada por um longo período e foi muito enriquecedor, inclusive para minha atuação no 1º grau. O trabalho no colegiado proporciona debates e troca de experiências com os colegas, o que reflete positivamente nos julgados.
Pretendo continuar desenvolvendo o trabalho com a mesma dedicação que sempre atuei no primeiro grau. É um privilégio participar da formação da jurisprudência trabalhista do Estado.
Fonte: Assessoria de Comunicação Social do TRT/SC
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