Trabalho infantil: campanha nacional alerta para riscos diante dos impactos da pandemia

Entre as ações, será lançada música inédita dos rappers Emicida e Drik Barbosa

03/06/2020 12h22, atualizada em 03/06/2020 12h55

Começa nesta quarta-feira (3) a campanha nacional contra o trabalho infantil realizada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), em parceria com a Justiça do Trabalho, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e o Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI). A exemplo da ação deflagrada pelo TRT-SC nas redes sociais, a iniciativa alerta para o risco de crescimento da exploração do trabalho infantil motivado pelos impactos da pandemia. Entre as ações, os rappers Emicida e Drik Barbosa lançam, na próxima terça-feira (9), música inédita sobre o tema, intitulada "Sementes", nos aplicativos de streaming e em videoclipe nos canais dos artistas. Acompanhe a divulgação no Instagram do TRT-SC (@trt_sc).

Movimento antirracista

O lançamento da canção estava previsto para terça-feira (2), mas foi adiado em razão da adesão ao movimento mundial antirracista #blackouttuesday, que promoveu nesse dia um “blackout” no mercado da música em protesto pela morte de pessoas negras, como o assassinato de George Floyd, nos Estados Unidos. “Tendo como fio condutor uma mensagem contra o trabalho infantil, ‘Sementes’ é mais um dos temas que giram em torno dessa grande manifestação antirracista - lembrando que o trabalho infantil é majoritariamente exercido por crianças e adolescentes negros -, por isso a urgência de aderir a esta pausa”, destaca o comunicado dos rappers.

Iniciativa global

Com o slogan “Covid-19: agora mais do que nunca, protejam crianças e adolescentes do trabalho infantil”, a campanha nacional está alinhada à iniciativa global proposta pela OIT. O objetivo é conscientizar a sociedade e o Estado sobre a necessidade de maior proteção a essa parcela da população, com o aprimoramento de medidas de prevenção e de combate ao trabalho infantil, em especial diante da vulnerabilidade socioeconômica resultante da crise provocada pelo novo coronavírus.

Cenário mundial 

De acordo com a OIT, antes da disseminação da Covid-19, quase 100 milhões de crianças haviam sido resgatadas do trabalho infantil ao longo de 16 anos, reduzindo o número de 246 milhões, em 2000, para 152 milhões (2016). A fim de evitar um aumento desses números em 2020 e perseguir a meta de erradicar essa violação até 2025, a campanha mundial faz um chamamento aos países para que incrementem políticas públicas de proteção, visando assegurar os direitos fundamentais de crianças e adolescentes, inclusive o direito ao não trabalho. 

O diretor do Escritório da OIT no Brasil, Martin Georg Hahn, destaca que a pandemia e a consequente crise econômica e social global têm um grande impacto na vida e nos meios de subsistência das pessoas. “Para muitas crianças, adolescentes e suas famílias, a crise significa uma educação interrompida, doenças, a potencial perda de renda familiar e o trabalho infantil”, explica. Para Hahn, é imprescindível proteger crianças e adolescentes e garantir que eles sejam prioridade na resposta à crise, com base nas convenções e recomendações da OIT e na Convenção das Nações Unidas. “Não podemos deixar ninguém para trás”, afirma.

Realidade nacional 

Mesmo proibido no Brasil, o trabalho infantil atinge pelo menos 2,5 milhões de meninos e meninas entre 5 e 17 anos (89 mil em Santa Catarina), segundo a última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua 2016, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) - 89 mil em Santa Catarina. Em 2019, das mais de 159 mil denúncias de violações a direitos humanos recebidas pelo Disque 100, cerca de 86,8 mil tinham como vítimas crianças e adolescentes. Desse total, 4.245 eram sobre trabalho infantil. Os dados são do Ministério da Mulher, da Família e do Direitos Humanos (MMFDH).

Tratamento negligente

“Os dados revelam o tratamento negligente que o Estado brasileiro tem dispensado a crianças e adolescentes e o enorme distanciamento entre os preceitos constitucionais e a realidade vivenciada”, alerta a procuradora Ana Maria Villa Real, coordenadora nacional de Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente (Coordinfância), do MPT. “O princípio da proteção integral é o único caminho para se chegar a uma vida adulta digna”. 

Solidariedade

De acordo com a ministra do Tribunal Superior do Trabalho (TST) Kátia Arruda, coordenadora do Programa de Combate ao Trabalho Infantil e de Estímulo a Aprendizagem da Justiça do Trabalho, “está na hora de compreender que toda criança é nossa criança e que o mal que se faz com a exploração do trabalho infantil afeta toda a sociedade, com grave repercussão no nível educacional, no desenvolvimento físico e psicológico e, principalmente na qualidade de vida desses meninos e meninas”. Segundo a ministra, é preciso que o exercício de direitos e de solidariedade comece pela proteção de crianças e jovens.

Atividades mais prejudiciais

Os números do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) do Ministério da Saúde mostram o quanto o trabalho precoce é nocivo: entre 2007 e 2019, 46.507 crianças e adolescentes sofreram algum tipo de agravo relacionado ao trabalho, com 279 vítimas fatais notificadas. Entre as atividades mais prejudiciais está o trabalho infantil agropecuário: foram 15.147 notificações de acidentes com animais peçonhentos e 3.176 casos de intoxicação exógena por agrotóxicos, produtos químicos, plantas e outros.

Pandemia

Um estudo inédito publicado em maio pelo FNPETI revela ainda que mais de 580 mil crianças e adolescentes de até 13 anos trabalham em atividades ligadas à agricultura e à pecuária, que estão na lista das piores formas de trabalho infantil. A pesquisa teve como base o Censo Agropecuário de 2017, divulgado pelo IBGE em 2019. Apesar da redução obtida desde 2006, quando o número era de mais de 1 milhão, com a Covid-19 o trabalho infantil agropecuário também pode voltar a crescer.

Para a secretária executiva do FNPETI, Isa Oliveira, a luta contra o trabalho infantil apresenta desafios ainda maiores no contexto da pandemia. “Crianças e adolescentes estão ainda mais vulneráveis, o que exige do Estado brasileiro medidas imediatas e eficazes para protegê-las do trabalho infantil e proteger suas famílias”, ressalta.

Ações

Entre as atividades da campanha, serão exibidos 12 vídeos nas redes sociais com histórias reais de vítimas, que irão integrar a série “12 motivos para a eliminação do trabalho infantil”. Está prevista ainda a veiculação de podcasts semanais para reforçar a necessidade aprimoramento das ações de proteção a crianças e adolescentes neste momento crítico. O TRT-SC exibirá depoimento de um trabalhador adulto - no caso, uma trabalhadora - vítima de trabalho infantil no passado. A pedagoga Roberlene Ribeiro dos Santos trabalhou dos 10 aos 14 anos como babá e doméstica e afirma que isso prejudicou seus estudos, levando-a inclusive a uma reprovação. “Deixei de viver minha infância e pré-adolescência. Na frente da casa que eu trabalhava tinha uma praça, e ver as crianças brincando enquanto eu lavava a calçada mexe comigo até hoje”, lamenta. 

Para marcar o Dia Internacional de Combate ao Trabalho Infantil, 12 de junho, haverá um webinário nacional (seminário virtual), transmitido pelo canal do Tribunal Superior do Trabalho no Youtube. O evento conta com o apoio e a participação do Canal Futura e vai debater questões como o racismo no Brasil, os aspectos históricos, os mitos, o trabalho infantil no contexto da Covid-19 e os desafios da temática pós-pandemia. 

As ações continuam durante todo o mês de junho, com uma agenda nacional única.

 

Texto e Arte: Tribunal Superior do Trabalho, com informações do TRT-SC
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