Seminário no TST discute sobre infâncias inviabilizadas pelo trabalho infantil

Evento foi acompanhado por gestoras do Programa de Combate ao Trabalho Infantil do TRT-SC

13/06/2024 12h51, atualizada em 14/06/2024 18h01

O Tribunal Superior do Trabalho (TST) recebeu na quarta-feira (12/06) o Seminário “Infâncias Inviabilizadas: reflexões sociais e práticas institucionais”. O evento faz parte da campanha “O trabalho infantil que ninguém vê”, que tem o objetivo de promover debates e mobilizar a sociedade em ações de enfrentamento e combate ao trabalho infantil, sobretudo em suas piores formas. As gestoras regionais do Programa de Combate ao Trabalho Infantil e Estímulo à Aprendizagem (PCTIEA) do TRT-SC, a desembargadora Maria de Lourdes Leiria e a juíza do trabalho Patrícia Sant'anna estavam presentes no encontro.

A campanha é uma ação conjunta promovida pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) e pelo (FNPETI), em parceria com a Justiça do Trabalho, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e o governo federal, por meio do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania (MDHC) e do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS).

Números do Trabalho Infantil no Brasil

Na abertura do seminário, o Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI) apresentou uma análise dos microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PnadC) de 2022 sobre o trabalho infantil de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos de idade. 

Entre as informações apresentados, está o aumento de 21%, entre 2016 e 2022, de crianças de 5 a 9 anos vítimas de trabalho infantil. O número passou de 109 mil casos, em 2016, para mais de 132 mil, em 2022.

Saiba mais: Trabalho infantil entre crianças de 5 a 9 anos aumentou 21% entre 2016 e 2022

Trabalho Infantil nas florestas

Além da apresentação dos dados e da ações das instituições parcerias, o seminário contou com dois painéis que debateram que No painel “O Trabalho Infantil nas florestas” e “O comércio de drogas como uma das piores formas de trabalho infantil”.

Andrissan Furtado de Oliveira, do Fórum Municipal de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil e Melgaço (FMPETI), destacou que o trabalho infantil em florestas ocorre devido a um combinado de fatores sociais, econômicos e culturais. Segundo ela, entre as razões específicas que podem explicar a incidência do trabalho infantil são: a pobreza, a falta de acesso à educação, a tradição cultural de famílias, a falta de fiscalização e a desinformação. 

Segundo Andrissan, a falta de fiscalização por parte das autoridades permiti que o trabalho infantil continue sem punição. “Quando não há uma supervisão rigorosa e quando a aplicação das leis de proteção infantil falha, torna-se mais fácil para empregadores  explorarem a mão de obra infantil”, afirmou.

Povos originários

O professor da Universidade de Brasília (UnB) Assis da Costa Oliveira, também ressaltou a importância da proteção das crianças e do debate sobre o tema, mas ressaltou questões culturais de reconhecimento social entre algumas comunidades de povos originários. 

“É necessário discutir com os povos originários onde deve haver a proteção e a erradicação do trabalho infantil. Também é preciso determinar onde deve ocorrer o reconhecimento de práticas que têm função importante dentro das comunidades para o desenvolvimento das crianças. Assim, elas podem ser socialmente reconhecidas dentro de suas comunidades”, disse.

Subnotificações

Ao destacar as subnotificações sobre o tema, o auditor-fiscal do Trabalho Emerson Victor Hugo Costa de Sá, do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), revelou que, de 2017 a 2021, no estado do Amazonas, foram notificados 20 casos de trabalho infantil, quatro casos por ano, para um Estado inteiro, que tem 62 municípios. Segundo ele. esses dados motivaram a realização da pesquisa “Experiência adversa na adolescência: um inquérito de base escolar sobre a ocorrência de trabalho infantil em Manaus, Amazonas”.  

Segundo ele, a pesquisa ainda não foi concluída, mas, até o momento, identificou um dado muito maior que o que era apresentado. “Essa pesquisa tem como objetivo estimar a prevalência de trabalho infantil como experiência adversa na adolescência; descrever o perfil de ocorrência do trabalho infantil entre adolescentes e analisar a distribuição do trabalho infantil de acordo com características individuais,  sociodemográficas, estrutura familiar e outras experiências  adversas na adolescência”.

Cadeia produtiva

A professora e pesquisadora da Fundação Getulio Vargas (FGV) Flávia Scabin destacou os desafios para a responsabilização de empresas envolvidas por meio de sua cadeia de fornecimento e o papel da due diligence (diligência prévia) em direitos humanos. Segundo a professora, as Nações Unidas estão discutindo sobre o papel das empresas em relação ao trabalho infantil e todas as situações envolvendo abuso dos direitos humanos com as quais as empresas possam estar envolvidas.

"A responsabilidade das empresas pelos direitos humanos não pode se adstringir àquelas violações que decorressem diretamente de suas práticas. A casualidade entre o malefício e a conduta causadora do dano não pode ser o único fator a determinar a responsabilização”, disse. “As empresas também podem ser responsabilizadas pelas violações a direitos humanos decorrentes de suas operações e parceiros comerciais. A exceção seria quando não houver qualquer relação com os impactos adversos causados”, completou.

Comércio de drogas 

No painel “O comércio de drogas como uma das piores formas de trabalho infantil”, a defensora pública do Estado do Rio de Janeiro e Conselheira do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente do RJ, Eufrásia Maria Souza das Virgens, destacou que um adolescente autor de um ato análogo ao tráfico de drogas deveria ser visto como um adolescente que está inserido e é vítima de uma das piores formas de trabalho infantil e não apenas como um autor de um ato infracional.

A defensora explicou que medidas socioeducativas não são suficientes para que o adolescente não volte para o comércio de drogas. Segundo ela, é necessário que o Estado ofereça proteção social para ele e sua família. “Nesse sentido, programas como o bolsa-família, de proteção social para as famílias que não tem recurso; inclusão na aprendizagem; e acompanhamento pelos serviços assistenciais seriam algumas alternativas para que ele não volte para a mesma realidade e contexto social que ele estava inserido”, disse.

Medidas socioeducativas

A coordenadora-geral de Medidas Socioeducativas e Programas Intersetoriais na Secretaria Nacional de Assistência Social do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS), Ana Carla Costa Rocha, explicou que as Medidas Socioeducativas em Meio Aberto no Brasil são implementadas pelo Sistema Único de Assistência Social (SUAS). “O objetivo é prover atenção socioassistencial e acompanhamento a adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas, assegurar que esses adolescentes tenham  acesso aos seus direitos e inseri-los em políticas públicas de educação, saúde, cultura, lazer, esporte e qualificação profissional”.

Arte como ferramenta de transformação

A pesquisadora da Coordenação de Medidas Socioeducativas e Programas Intersetoriais do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS), Ravena do Carmo Silva, contou um pouco de sua trajetória como vítima do trabalho infantil aos 11 anos de idade. Ela sofreu privação de liberdade no sistema socioeducativo aos 12 anos e quando foi liberada se tornou uma ativista no combate ao trabalho infantil. 

A pesquisadora ressalta a importância da arte e da poesia para resgatar crianças e adolescentes do comércio de drogas. “É com a arte que a gente vem fazendo esse enfrentamento, especificamente com a cultura Hip-Hop, que dialoga diretamente com esse público e que entra em qualquer favela, beco e viela”, afirmou. “O hip-hop é uma cultura que faço parte e é uma cultura de transformação social para mim e para minha comunidade”, concluiu.

Papel do Estado

O juiz do Trabalho da 21ª Região (RN) Zéu Palmeira, que é gestor nacional (Nordeste) no Programa de Combate ao Trabalho Infantil e de Estímulo à Aprendizagem da Justiça do Trabalho destacou que é dever do Estado proteger e adotar medidas para enfrentar o trabalho infantil de comércio de drogas. 

“A Convenção dos Direitos da Criança, em seu artigo 33, diz que a política de proteção à criança e ao adolescente envolvido na comercialização e distribuição da droga deve ser uma política do Estado”, disse. “É o Estado que tem a responsabilidade de adotar todas as medidas sociais, administrativas, legislativas ou educacionais para proteger a criança e o adolescente desta realidade”, completou.

Ampliação do debate

A procuradora Luciana Coutinho, que integra a Divisão Especializada de Combate ao Trabalho Infantil  da Procuradoria Regional do Trabalho da 3ª Região (MG), explicou que é uma das maiores dificuldades que impedem o enfrentamento deste problema é a falta de reconhecimento do trabalho infantil no tráfego de drogas como um tipo trabalho. Ela explicou que, para avançarmos, é necessário ampliar o debate e chamar agentes de diversas áreas para a discussão. 

“É fundamental que  a gente amplie o nosso debate. A  gente precisa chamar para essa conversa esses setores que não reconhecem que o trabalho infantil no tráfego de drogas é um tipo de trabalho, como o Ministério Público do Estado, os juízes da vara da infância, a Justiça do Trabalho”, afirmou. “Além do meio jurídico, precisamos envolver também os policiais educadores e assistentes sociais nessa conversa. Sem essa mudança de chave, essa ampliação do debate, nós não vamos conseguir alcançar avançar neste reconhecimento”, concluiu.

 

Texto: Conselho Superior da Justiça do Trabalho, com reprodução de Andréa Letícia (estagiária TRT-SC)

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