O juiz Roberto Masami Nakajo, da 2ª Vara do Trabalho de Rio do Sul, usou o conceito de trabalho escravo do Direito Penal por considerar que ele é subsidiário, podendo solucionar os conflitos que nenhum outro ramo do direito conseguiu resolver. “Se este direito, que é revestido de maiores garantias, por se tratar de verdadeiro limitador do poder punitivo estatal, aumentou o âmbito conceitual do trabalho escravo, por maior razão este conceito deve ser trazido à esfera administrativa”, entende ele.
A discussão aconteceu em ação na qual a empresa Manoel Marchetti Indústria e Comércio Ltda. alega não ter praticado qualquer conduta motivadora de sua inscrição no cadastro de empresas que mantêm empregados em condições análogas às de escravo, feito pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Em sua defesa a ré alega que a submissão a trabalho em condições degradantes, embora censurável, não é equiparável a trabalho escravo, que ocorre quando existe cerceamento da liberdade do trabalhador.
Segundo a Convenção 29/1930 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo Brasil, trabalho forçado ou obrigatório é aquele exigido sob ameaça de penalidade e para o qual o indivíduo não se ofereceu de espontânea vontade. Porém, em sua decisão, o magistrado preferiu aplicar o conceito trazido pelo Código Penal (CP) por considerá-lo uma evolução do previsto no documento da OIT.
O crime de redução à condição análoga à de escravo está tipificado no art. 149 do CP como sendo o trabalho forçado ou a jornada exaustiva, sujeitando a pessoa a condições degradantes de trabalho ou restringindo sua locomoção, por qualquer meio, em razão de dívida contraída com o empregador.
A Portaria Interministerial 2/2011, do MTE, que determina a inclusão no cadastro, sem previsão de sanção, apenas divulga o documento para órgãos do Executivo, ministérios Público Federal e do Trabalho e instituições financeiras públicas, visando efetivar os princípios da transparência e da publicidade. Algumas instituições adotam a política de não estabelecer vínculos com empresas que estejam com seu nome incluído no cadastro, o que é visto pelo juiz Nakajo como o exercício da liberdade de atuação de acordo com as diretrizes de cada órgão.
Depois de ser inscrita no cadastro, a empresa é submetida a monitoramento por dois anos para que sejam verificadas as condições de trabalho. Neste período, não havendo reincidência, o nome é excluído, mediante o pagamento das multas resultantes da ação fiscal, bem como da quitação de eventuais débitos trabalhistas e previdenciários.
Entenda o caso
A Manoel Marchetti atua no ramo madeireiro e mantém 5,7 milhões de árvores plantadas em reflorestamentos próprios e cerca de 700 colaboradores.
Segundo o auto de infração o auditor-fiscal do trabalho constatou as seguintes irregularidades no alojamento em que estavam os trabalhadores da empresa:
- casa sem forro que causava terrível sensação térmica, com mínima ventilação natural;
- ausência de qualquer mobiliário além dos beliches;
- superlotação, pois não se obedeceu ao espaço mínimo de 3 m², havendo até quatro trabalhadores instalados no espaço de 6 m²;
- ausência de fornecimento de roupas de cama;
- ausência de fornecimento de armários individuais, obrigando os trabalhadores a espalharem suas roupas pelo chão;
- ambiente com cheiro nauseante;
- subdimensionamento e precariedade da lavanderia;
- instalação sanitária provida de um chuveiro, um vaso sanitário e um lavatório para todos os trabalhadores (inicialmente 21 trabalhadores e no dia da fiscalização eram 15);
- a água do banheiro retorna pelo ralo do chuveiro transbordando água para toda a casa;
- a água para beber é retirada de um poço que não recebe nenhum tratamento;
- relatos de dores abdominais decorrentes da ingestão da água.
Os trabalhadores foram arregimentados por um intermediário para trabalharem no município de Jaci-Paraná (RO). Era cobrado deles o valor de R$ 350 para transporte desde Canindé (SE). Além disso, os contratos de trabalho não foram formalizados de imediato e o salário mensal representava metade do prometido.
Para o juiz Nakajo, “não se encontram somente práticas referentes a condições degradantes, mas também condizentes com a conceituação de trabalho escravo”. Segundo ele, ainda que fosse considerado o conceito da OIT, não havia a possibilidade real de os trabalhadores retornarem a sua cidade de origem, ou seja, de se desvincularem do trabalho.
A empresa não contestou o auto de infração, nas esferas administrativa e judicial. Sua preocupação foi com a qualificação jurídica dos fatos, ou seja, se eles constituem, ou não, trabalho escravo ou em condição análoga à de escravo. Seu pedido é a exclusão do nome do cadastro do MTE.
Diante disso, o juiz rejeitou o pedido da empresa por considerar que ficou demonstrada a existência de evidências que autorizaram a inclusão do seu nome no cadastro.
A Manoel Marchetti ingressou com recurso ordinário, que não foi recebido, com base em jurisprudência do TRT-SC, porque o valor da causa é inferior a dois salários mínimos. Agora, a empresa entrou com Agravo de Instrumento para destrancar esta decisão.
RTOrd 0000703-06.2012.5.12.0048
Fonte: Assessoria de Comunicação do TRT-SC
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