VT de Concórdia entendeu que peça foi produzida por IA generativa; relator de um dos acórdãos citados era, na verdade, dono de um bar no Paraná
Uma trabalhadora que atuava como saladeira em um hotel de Piratuba, no Oeste catarinense, foi multada em R$ 3,7 mil após sua advogada apresentar petição inicial recheada de decisões, citação doutrinária e até nome de magistrado inexistente, todos elementos aparentemente gerados por inteligência artificial (IA).
O caso foi julgado pelo juiz Daniel Carvalho Martins, da Vara do Trabalho de Concórdia, que enfatizou a importância da checagem humana no emprego de ferramentas tecnológicas.
A ação foi movida em julho deste ano e pedia o pagamento de verbas trabalhistas supostamente devidas após a rescisão do contrato, incluindo horas extras e outros direitos.
A defesa do hotel, porém, apontou que a petição inicial trazia ementas de julgados e números de processos impossíveis de localizar nos sites oficiais. Diante da inconsistência, o magistrado determinou que a advogada da parte autora explicasse as citações, mas ela respondeu que se tratava de “mero erro material”.
Citações e relator fictício
A verificação do juízo confirmou tratar-se de um conjunto de referências inventadas. Entre elas, havia até uma suposta decisão atribuída a relator inexistente nos quadros do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região (TRT-SC). O nome citado, segundo consulta feita pelo juiz no Google, pertence a um comerciante de Ponta Grossa (PR), dono de um bar especializado “no atendimento a consumidores de cerveja gelada”.
O texto também atribuía ao ministro Maurício Godinho Delgado, do Tribunal Superior do Trabalho, uma lição que não consta em suas obras.
“Tais achados, em meu entendimento, vão além de um mero erro material e reforçam o argumento da reclamada de que a petição inicial foi produzida por aplicação de inteligência artificial (IA) generativa sem qualquer verificação humana, o que para esse magistrado significa um ato processual inexistente", afirmou Martins, complementando que modelos de linguagem como o ChatGPT podem “alucinar” respostas – termo técnico usado para descrever a geração de informações falsas com aparência de verdade.
O magistrado citou ainda diretrizes da Recomendação 001/2024 do Conselho Federal da OAB, sobre o uso de “IA generativa na prática jurídica”. De acordo com Martins, a norma exige do advogado “entendimento adequado das limitações, verificação rigorosa das informações, transparência aos clientes e demais interlocutores, sendo vedada a delegação de atos privativos da profissão sem supervisão qualificada”.
Penalidades
Com base no art. 485, IV, do CPC, o juiz extinguiu o processo sem resolução de mérito. Além disso, a parte autora foi condenada por litigância de má-fé, nos termos dos artigos 793-B e 793-C da CLT, com multa de R$ 3,7 mil (equivalente a 5% do valor da causa).
Também foi fixada verba de honorários em 10% para os advogados da outra parte, porém o valor só será cobrado se a autora superar a condição de insuficiência econômica que lhe garantiu a gratuidade de justiça.
Por fim, o magistrado determinou o envio de ofício à Subseção de Concórdia da OAB-SC para “ciência dos fatos narrados e adoção das providências que entender cabíveis”.
A trabalhadora pode recorrer da decisão.
Texto: Carlos Nogueira
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