Para Mirna Bertoldi, que toma posse nesta sexta-feira (24), variáveis como o temor inicial relativo à sucumbência recíproca e as próprias condições econômicas do país podem estar influenciando os números
A juíza Mirna Uliano Bertoldi toma posse como desembargadora do Tribunal Regional do Trabalho da 12 Região (TRT-SC) nesta sexta (24), às 18h, na sede do Tribunal, em Florianópolis. Natural de Timbó (SC), a magistrada trilhou toda sua carreira jurídica na instituição.
Em 1986, ingressou no primeiro concurso promovido pelo Tribunal para o cargo de auxiliar judiciário. Em 1993, tomou posse como juíza substituta e, cinco anos depois, foi promovida a titular da 2ª VT de Criciúma. Ao longo dos 25 anos de magistratura, atuou nas cidades de São Bento do Sul, Blumenau, Timbó, São José e Florianópolis.
Nesta entrevista, feita por e-mail, a magistrada fala sobre prós e contras da Reforma Trabalhista. Para magistrada, dúvidas e incertezas são inerentes a todo processo de mudança, por isso ainda considera prematuro fazer uma avaliação dos impactos provocados pela nova lei.
Confira abaixo:
SECOM: A senhora toma posse como desembargadora do TRT de Santa Catarina após 25 anos de magistratura, num momento de mudanças no DNA da legislação trabalhista. As inseguranças iniciais quanto à aplicação da nova lei já desapareceram?
Desembargadora Mirna Bertoldi: A Lei 13.467/2017 (Reforma Trabalhista) revogou, alterou e inovou mais de 100 dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em aspectos de direito material e de direito processual. Os atos processuais, de regra, regem-se pelos dispositivos processuais vigentes à época em que realizados, do que decorre a aplicação imediata de alguns dos novos dispositivos aos processos já em curso.
A Escola Judicial (Ejud) do nosso Tribunal, antes mesmo do início da vigência da nova lei, promoveu debates e palestras sobre essas alterações, o que resultou na aprovação de vários enunciados, os quais retratam o pensamento, ao menos inicial, dos juízes trabalhistas de Santa Catarina. Do mesmo modo, a Instrução Normativa 41/2018, aprovada recentemente pelo Tribunal Superior do Trabalho, dispôs sobre as alterações da Lei 13.467 no direito processual.
Tanto os enunciados quanto a IN, embora não tenham efeito vinculante, norteiam a atuação jurisdicional e objetivam uniformizar os procedimentos e, por corolário, transmitir segurança jurídica aos jurisdicionados e estabilizar as relações processuais. Com pouco mais de 10 meses de vigência da nova lei, os dispositivos processuais vêm sendo aplicados e as dúvidas e controvérsias vêm sendo enfrentadas pelos juízos de primeiro grau e submetidas ao Regional, num processo gradual de sedimentação dos novos procedimentos. De forma diversa, as controvérsias sobre os dispositivos de direito material do trabalho ainda são tímidas, porquanto aplicáveis às relações jurídicas a partir da vigência da Reforma Trabalhista, e, como tal, demandam um tempo maior para serem submetidas ao Judiciário.
Quais os prós e contras da Lei 13.467/17?
A Reforma Trabalhista foi pauta de muitos comentários e polêmicas, diante da profunda alteração promovida na CLT. Dentre os fundamentos expostos para sua implementação situam-se o contexto econômico de crise pelo qual passa o país, a necessidade de modernização da legislação e também o combate ao volume expressivo de ações trabalhistas.
Por outro lado, os críticos à reforma argumentam que houve perda de direitos por parte dos trabalhadores e censuram a ausência de debate com a comunidade jurídica e a sociedade em geral sobre as alterações. Penso que o momento de se discutir sobre a conveniência da reforma está ultrapassado. Todo processo de mudança legislativa enseja questionamentos e dúvidas e os juízes vão continuar cumprindo seu papel de aplicar e interpretar as novas regras, não de forma isolada, mas à luz das demais normas existentes no ordenamento jurídico, em especial a Constituição Federal.
Quais são as principais dificuldades enfrentadas pelos magistrados na hora de aplicar a Reforma Trabalhista?
Os magistrados trabalhistas, de uma forma geral, vêm se preparando, antes mesmo do início da vigência da nova lei, mediante estudos e debates sobre as alterações promovidas na legislação. A Ejud, neste aspecto, vem desempenhando papel fundamental e a Reforma Trabalhista tem sido tema central dos últimos encontros, nos quais foram ministradas várias palestras e promovidos debates acerca da matéria. Destaco, no âmbito de nosso Regional, a iniciativa dos juízes trabalhistas de compilar em um livro, sob a organização dos magistrados Daniel Lisbôa e José Lucio Munhoz, comentários sobre os artigos alterados, o qual por certo já está contribuindo para o aclaramento das muitas dúvidas sobre a diversidade na interpretação dos novos dispositivos. As dificuldades, a meu ver, residem justamente nessa questão de interpretação das novas regras, pois como é ínsito a todo processo de mudança, os questionamentos e dúvidas existem e somente ao longo dos anos os posicionamentos se sedimentarão.
Diante das inúmeras mudanças trazidas pela Reforma no tocante ao direito material, como a senhora avalia o papel do magistrado na construção da jurisprudência?
A sociedade deseja segurança jurídica e previsibilidade nas decisões judiciais, e a jurisprudência, que nada mais é do que a reiteração do posicionamento em relação a uma mesma questão, tem papel fundamental neste aspecto. A Reforma Trabalhista trouxe regras mais rígidas para a criação e alteração de súmulas e enunciados, tanto de ordem material quanto processual. No âmbito material, o artigo 8º da CLT dispôs que súmulas e outros enunciados de jurisprudência editados pelo TST e pelos TRTs não poderão restringir direitos legalmente previstos nem criar obrigações que não estejam previstas em lei. Já se questiona, de igual modo, a constitucionalidade do artigo 702, I, letra “f”, da CLT, no tocante à ampliação dos requisitos formais para a criação e alteração de súmulas, sob o argumento de que feriria a autonomia dos Tribunais. Portanto, devemos aguardar o desdobramento desta questão para conhecer os rumos quanto à edição e alteração das súmulas na esfera trabalhista.
Como a senhora vê a prevalência do negociado sobre o legislado nas negociações coletivas?
Um dos grandes destaques da reforma - e de grande impacto para o movimento sindical e para as relações de trabalho - foi a inserção da possibilidade das categorias profissionais e econômicas negociarem algumas matérias, a exemplo daquelas relacionadas no art. 611-A da CLT, com prevalência sobre o contido na lei. Ampliou-se, com isso, as possibilidades de negociação coletiva, ficando resguardados, contudo, a maioria dos direitos mínimos conquistados pelos trabalhadores ao longo de décadas e previstos constitucionalmente.
Essa abertura valoriza a atuação sindical e a negociação direta entre os interessados sobre as particularidades das atividades profissionais e econômicas e, como tal, merece ser incentivada. Há que ser ressaltado, contudo, que a negociação coletiva da forma proposta pela Reforma pressupõe a existência de sindicatos autênticos, representativos, ou seja, com capacidade de negociação, razão pela qual é necessário refletir e repensar a organização sindical no Brasil.
A queda de cerca de 40% no número de ações trabalhistas e o aumento significativo dos processos sumaríssimos são um sintoma de que a reforma era necessária?
A Reforma Trabalhista aprimorou os requisitos da petição inicial de forma a expressar os pedidos com maior objetividade, inserindo no artigo 840 da CLT a necessidade de indicação do valor dos pedidos. Essa exigência, aliada à sucumbência recíproca, impactou no volume de pedidos e no valor das causas, de forma que, parte daquelas ações que eram ajuizadas pelo rito ordinário, pela mera estimativa econômica do interessado ou mesmo pela preferência por esse rito processual, foram enquadradas no rito sumaríssimo. Esse fato explica o aumento no número de processos pelo rito sumaríssimo.
Por outro lado, considero prematuro concluir pela drástica redução do volume total de demandas trabalhistas, porquanto há diversas variáveis a serem consideradas nesse aspecto, como o expressivo aumento das demandas nos meses que precederam à vigência da Lei 13.467/2017, o temor inicial de trabalhadores e profissionais do direito no tocante à sucumbência recíproca e as próprias condições econômicas e sociais pelas quais passamos.
O exato impacto da Reforma Trabalhista no volume de demandas só será conhecido nos próximos meses ou, quiçá, nos próximos anos, quando então poder-se-á analisar os números em uma perspectiva mais ampla. A meu ver, dentre as vantagens da liquidação dos pedidos, está a maior chance de conciliação na primeira audiência, pois a parte contrária toma conhecimento da real pretensão do autor, em termos monetários, já no recebimento da citação inicial, o que possibilita o comparecimento à audiência com uma proposta mais concreta e adequada.
Quem são os autores que inspiram a senhora na área trabalhista e por quê?
Fizeram parte dos meus estudos, autores como Arnaldo Sussekind, Manoel Antônio Teixeira Filho, Cesarino Júnior, Wagner Giglio, Amauri Mascaro Nascimento e Américo Plá Rodriguez. Dentre as obras de Direito do Trabalho que me inspiraram, cito os clássicos Instituições de Direito do Trabalho, originalmente escrito por Arnaldo Sussekind, Délio Maranhão e Segadas Viana, os quais participaram ativamente da construção doutrinária e legislativa do Direito do Trabalho no Brasil, e Princípios de Direito do Trabalho, de Américo Plá Rodriguez, obra de grande relevância para os estudiosos do direito do trabalho. No campo processual, faço destaque ao mestre Manoel Antônio Teixeira Filho, um dos grandes processualistas brasileiros, com mais de 20 livros sobre o tema, e que foi membro da banca examinadora da prova de sentença do meu concurso para a magistratura. Posso afirmar que o estudo de suas obras foi determinante para minha aprovação no concurso.
A senhora foi servidora por sete anos antes de se tornar juíza do Trabalho. Que experiências traz desse período?
Iniciei na Justiça do Trabalho em 1986, lotada na então denominada 1ª Junta de Conciliação e Julgamento de Florianópolis, dedicando-me inicialmente ao atendimento às partes e aos advogados, o que me permitiu o contato direto com o jurisdicionado. Nessa época, conheci a tramitação processual desde o início, acompanhando inclusive as audiências. De 1990 até a aprovação no concurso da magistratura, em 1993, trabalhei em gabinetes de desembargadores, assessorando na elaboração de minutas de votos, o que possibilitou a visão do trâmite recursal e dos processos originários desta instância.
Essa experiência de sete anos como servidora no primeiro e no segundo graus foi, sem dúvida, um facilitador do meu trabalho quando iniciei na magistratura, uma vez que me possibilitou o conhecimento amplo dos trâmites processuais e o contato direto com os advogados, impactando de forma positiva no relacionamento profissional, principalmente nas audiências, o que tornou o ambiente de trabalho muito mais leve e prazeroso.
Texto: Letícia Cemin / Fotos: Adriano Ebenriter
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