Ejud12: jurisprudência pós-reforma ainda passa por ‘fase de acomodação’, avalia jurista

19/08/2019 13h24, atualizada em 31/10/2019 13h34

Dois anos após a reforma trabalhista (Lei 13.467 de 2017), o conjunto das decisões de juízes e tribunais de todo o país atravessa um momento de "acomodação", afirmou na quinta (15) o jurista Fabiano Coelho de Souza. Considerado um dos maiores estudiosos do tema no país, o juiz do trabalho da 4ª Vara de Goiânia (GO) proferiu uma palestra a juízes e desembargadores do TRT-SC, a convite da Escola Judicial.

Segundo Souza, os principais pontos da reforma tendem a ser mantidos, embora a aplicação prática de boa parte dos novos dispositivos dependa, ainda, de um posicionamento dos tribunais superiores.

"A reforma foi muito ampla e rápida, e trouxe uma redação confusa em muitos pontos, que só agora estão chegando aos tribunais superiores. É um momento natural de acomodação", analisou o magistrado, que também é professor e mestre em Direito pela PUC-GO. "Ainda teremos de estudar a prevalência do negociado pelo legislado por muitos anos", previu.


30 mil ações

O palestrante apresentou aos juízes e desembargadores catarinenses uma pesquisa com mais de 30 mil decisões recentes do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e do Supremo, na qual procurou identificar tendências dos colegiados. Uma delas, por exemplo, é o entendimento de que a cláusula de quitação geral deve pressupor alguma vantagem compensatória ao trabalhador, o que não é mencionado na lei.

"Também já há vários precedentes invalidando a aplicação desse tipo de cláusula quando não há negociação coletiva", destacou.

Como a maior parte das questões foi tratada apenas por turmas do TST, o jurista destacou que ainda há um longo caminho para a pacificação de conflitos de interpretação, que podem, inclusive, sofrer movimentos naturais de correção. "O TST tem uma atividade insana e, muitas vezes, fixa um precedente que, embora seja justo para uma determinada situação, ganha vida própria e pode não funcionar tão bem em outros casos".


Lacunas

Souza afirmou que há ainda muitas lacunas envolvendo temas centrais da reforma, como o princípio da intervenção estatal mínima, a aplicação de normas do direito civil consideradas incompatíveis com o direito do trabalho e a contagem de horas de deslocamento, tópico que considera um potencial "palco de batalhas".

"Há toda uma discussão se a regra atual poderia ser aplicada em locais de difícil acesso e não servidos por transporte público regular, já que o legislador não fez nenhuma ressalva nesse sentido", explicou, complementando que decisões recentes também levantam dúvidas sobre a possibilidade de o assunto ser tratado por meio de norma coletiva.

Outro entendimento que se fortalece no TST, segundo ele, é o de que o tempo que o empregado permanece involuntariamente dentro da empresa — enquanto espera o transporte oferecido pelo empregador ou troca de uniforme, por exemplo — deve ser considerado tempo à disposição do empregador, ao contrário da intenção original do legislador, que buscou reduzir esse tipo de compensação.

Para o especialista, o maior obstáculo dos tribunais será lidar com questões envolvendo a restrição do acesso dos trabalhadores ao Judiciário, assunto que já está sendo julgado no Supremo. Ele destacou ainda que, após o STF invalidar a norma que permitia o trabalho insalubre de grávidas e lactantes, em maio, começa a se firmar na corte o entendimento de que alguns direitos consagrados não poderiam ser negociados.

"A lei não proíbe que a estabilidade da gestante e dos dirigentes sindicais seja negociada, mas é óbvio que eu não posso fragilizar garantias amplamente escoradas em princípios constitucionais por meio da negociação coletiva", argumentou o palestrante. " É a reforma trabalhista que deve ser interpretada conforme a Constituição, e não o contrário".

 


Texto: Fábio Borges / Fotos: Adriano Ebenriter
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