Para relator, mesmo não havendo ofensas diretas ao empregado, rigor excessivo e cobranças diferenciadas podem configurar ato discriminatório
Uma empresa processada por discriminação sexual, que levou na audiência como única testemunha justamente o empregado acusado de cometer o ato, acabou condenada em primeira e segunda instâncias da Justiça do Trabalho catarinense. A empresa, que é do setor de transportes da região de Blumenau, deverá pagar R$ 10 mil de danos morais em virtude de discriminação cometida contra autor da ação, de orientação homossexual.
Na ação, o trabalhador alegou que o supervisor imediato, ao perceber sua orientação sexual, passou a tratá-lo de forma bruta e arrogante. Disse ainda ter sido perseguido e assediado verbalmente, com insinuações sobre a sua sexualidade, sendo alvo de brincadeiras de mau gosto. A empresa contestou, afirmando que não houve qualquer prática discriminatória e que o autor jamais foi constrangido por ser homossexual.
Ao ouvir o testemunho do supervisor acusado de assédio, o juiz Oscar Krost, da 2ª Vara do Trabalho de Blumenau, entendeu de fato que o trabalhador sofreu tratamento discriminatório em relação aos colegas e que a homossexualidade dele não era algo indiferente ao supervisor. Para o magistrado, embora não tenham ocorrido ofensas diretas, por meio de agressões verbais ou físicas, ficaram comprovados o rigor excessivo e as cobranças desiguais feitas pelo superior.
“Por mais politicamente correto que possa parecer e por menos violento que se mostre, a postura da testemunha convidada pela ré para depor em sessão foi dotada de amarras, preconceitos e resistências, pelo que, considero não apenas plausível, como demonstrado o trato discriminatório alegado na inicial”, ponderou o juiz Oscar Krost, destacando que tal atitude demonstra falta da dimensão exata do que seja a dignidade da pessoa humana.
Ao recorrer da sentença, a empresa declarou que não existia prova de violação da dignidade humana, pois os fatos alegados não foram confirmados pela prova oral. Contudo, para o relator do processo, desembargador Hélio Batista Lopes, tanto o depoimento do supervisor quanto o da testemunha do autor comprovaram o desrespeito à dignidade do trabalhador e aos seus direitos da personalidade. Ele chamou a atenção ainda para o fato inusitado de que a testemunha da ré era o próprio acusado. "O seu depoimento enseja análise mais acurada. Não fosse isso, indago, por que a empresa não trouxe outro empregado para testemunhar?".
No entendimento do desembargador, atitudes discriminatórias adotadas por empregados da empresa detentores de cargo de chefia devem ser proibidas, pois constituem óbice à construção de uma sociedade mais justa e solidária. Embora não ficarem comprovadas agressões verbais ou físicas por parte do superior, o relator afirmou que “não pode o empregador valer-se do seu poder diretivo para praticar atos discriminatórios, como o rigor excessivo dispensado ao autor, cobranças diferenciadas, causando gravame ao empregado, em seus direitos personalíssimos”.
A empresa não recorreu da decisão.
Texto: Letícia Cemin /Arte: Simone Dalcin
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