“Grande parte da população não sabe o que faz a Justiça do Trabalho”

Confira nesta entrevista o que pensa o novo presidente do TRT-SC, Amarildo Carlos de Lima, sobre conciliação, reforma trabalhista e inovação, entre outros assuntos

19/12/2023 13h41, atualizada em 02/02/2024 11h24
Fotos: César de Oliveira

O paranaense Amarildo Carlos de Lima terá, pelos próximos dois anos, um dos maiores desafios de sua trajetória profissional como juiz, iniciada há mais de três décadas. Como presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região, caberá a ele administrar uma instituição com uma força de trabalho de cerca de 1,5 mil servidores e 129 magistrados, orçamento de R$ 59 milhões para atividades e projetos e uma produção anual de 97 mil decisões judiciais (dados até novembro).

O desembargador é dono de um estilo ponderado, que mede a extensão e o impacto de cada palavra antes de pronunciá-la, algo perfeitamente compatível com a responsabilidade do cargo que ocupa. 

Como foco de sua gestão, Amarildo de Lima pretende reconectar as relações entre o corpo funcional do tribunal, que, segundo ele, ficaram distanciadas em razão da pandemia. Ao mesmo tempo, quer aproximar mais a Justiça do Trabalho da sociedade. “Grande parte da população não sabe o que faz a Justiça do Trabalho e desconhece o que o próprio Judiciário faz”, disse ele, nesta entrevista concedida à Secretaria de Comunicação Social do TRT-12, cuja íntegra você pode conferir abaixo.

1 -  O que esperar de Amarildo Carlos de Lima à frente do TRT-SC?

Penso que a Administração deve estar voltada a duas frentes: o aspecto interno e o externo. Vivemos um momento sui generis, de muitas inovações, pós-pandemia, trabalho remoto, e o que eu sinto é que houve um distanciamento do nosso próprio corpo funcional em função do uso da tecnologia em 2020 e 2021, decorrente da pandemia. Precisamos, portanto, fazer essa reaproximação. 

homem sorridente sentado em sofá escuro de couro vestindo terno. atrás dele a bandeira do Brasil e uma parede de madeira
"Não é bom alguém formar uma opinião sem os elementos necessários para isso"

Além disso, devemos procurar nos aproximar cada vez mais da sociedade. Tenho reiterado que grande parte da população não sabe o que faz a Justiça do Trabalho e desconhece o que o próprio Judiciário faz. Não tem noção do nosso dia a dia e, por muitas vezes, tem uma visão que considero equivocada sobre nossos julgamentos. Partindo do princípio que o Judiciário é inerte, deve ser provocado, julga ao ser acionado pelo Ministério Público, pelas partes interessadas - no nosso caso, também pelos sindicatos em ações coletivas - e então dá sua resposta. Isso nem sempre é compreendido pela sociedade, mesmo porque muitas vezes as pessoas têm as informações apenas de forma superficial. E é próprio do ser humano formar opiniões a partir daí, notadamente neste momento em que vivemos de muita informação e desinformação. Isso não é necessariamente ruim, mas penso que não é bom alguém formar uma opinião sem os elementos necessários para isso. 

2 - Na avaliação do senhor, hoje, quais são os principais desafios que a Justiça do Trabalho precisa enfrentar no curto e médio prazos?

Penso que no curto e médio prazo é justamente a estruturação, fazendo bom uso da tecnologia e dos recursos, e a JT precisa se adaptar aos tempos atuais. O mundo do trabalho mudou sobremaneira, hoje as pessoas têm muito mais informação, e o próprio perfil da Justiça do Trabalho acredito que vem mudando ao longo do tempo. Porém, sem descuidar que vivemos realidades muito diferentes em termos de Brasil e do próprio estado de Santa Catarina. 

Temos locais em que as pessoas, os trabalhadores e os sindicatos são atuantes, e temos locais onde a Justiça do Trabalho ainda não chega com a intensidade que deveria chegar. As próprias entidades sindicais, que hoje estão bastante enfraquecidas, não chegam e aí obviamente não é possível dar o mesmo tratamento para um caso da capital para aquele do meio rural. São adaptações que podem ser feitas com o bom uso da tecnologia - um exemplo é a ferramenta de geolocalização Veritas, desenvolvida aqui no tribunal - porém, sem descuidar das diferenças existentes na realidade tanto de Santa Catarina como do Brasil. 

3 - O senhor vê o período em que atuou enquanto corregedor como um alicerce para o cargo de presidente? De que forma?

Acho que minha experiência na Corregedoria, que ocorreu bem na época da pandemia, teve relação direta com a questão do avanço da tecnologia. Fomos talvez o primeiro tribunal a realizar audiências telepresenciais. Adquirimos um know how a respeito disso, tivemos grande auxílio dos juízes e a colaboração dos advogados e da OAB catarinense.

"Enquanto muitos estados estavam parados, nós estávamos fazendo as audiências telepresenciais, que hoje se tornaram uma realidade em todo o Brasil. E é o futuro do processo."

Dentro disso, penso que ajudou muito, inclusive no contato com outras instituições voltadas ao mundo da Justiça e ao mundo do trabalho. Essa experiência foi muito útil e acho que hoje esta Administração está colhendo os frutos daquilo que foi plantado lá atrás. 

4 - De acordo com o Relatório Justiça em Números, do CNJ, a Justiça do Trabalho catarinense apresentou o maior índice de conciliação de todo o Judiciário.  A maior contribuição é do primeiro grau, sendo que o segundo grau, como em todos os estados, ainda tem muita dificuldade em propor acordos. Aqui, por exemplo, não chega a 4%. O que falta para avançar nessa questão?

Na verdade, tenho algumas considerações a fazer. Primeiro, que o processo nasce no primeiro grau. Então lá é o momento próprio da conciliação, onde ela pode ser feita de forma mais célere.  

A competência do tribunal, em relação aos acordos, acaba sendo mais residual. Então, não dá para comparar o primeiro com o segundo grau nesse aspecto. De toda forma, me parece que nós temos que fomentar a cultura da conciliação e da aproximação das partes também na segunda instância. Isso já está acontecendo com o Cejusc de 2º Grau. É uma questão de aprimorar e desenvolver essa cultura. Quando o processo chega na segunda instância, já temos uma sentença, o primeiro julgamento, e isso de certa forma facilita a negociação.

​​homem de terno sentado em sofá escuro tem semblante sério
"A conciliação deve ser sempre o norte da JT"

Agora, quando as partes recorrem, eu quero crer que a real intenção é modificar a sentença no segundo grau. Temos que investir na ideia de que a conciliação é sempre o norte da Justiça do Trabalho, que sempre foi indicada como a justiça conciliatória, a justiça social, realmente, e a conciliação acaba sendo a melhor solução do processo, porque é a solução trazida pelas partes. Desde que não haja problemas formais e sobreposição de maneira desuniforme entre aquilo que está se propondo, deve ser buscada inclusive no segundo grau. É uma questão cultural que estamos desenvolvendo e pretendemos cada vez melhorar. Acredito que os próximos números do CNJ já estarão melhores. Assim esperamos.

5 - Há muitos anos especialistas do Direito afirmam que é necessário mudar a cultura de litigiosidade do país, e isso passa, necessariamente, segundo eles, pela mudança na grade curricular dos cursos de Direito, introduzindo disciplinas voltadas à conciliação. Na sua avaliação, como ex-professor universitário, os cursos de Direito estão evoluindo nessa direção?

Eu penso que sim. Se eu considerar a grade curricular que eu enfrentei lá nos anos 80 e a atual, esta última está mais voltada à conciliação. Eu acho que isso é decorrência de uma necessidade, inclusive de campanhas do Conselho Nacional de Justiça e da própria Justiça do Trabalho para que as partes busquem a solução autônoma do litígio. As práticas jurídicas, de um modo geral, hoje levam a esse caminho.
Mas é uma questão cultural, como eu havia dito. Isso não muda da noite pro dia. Se nós temos uma sociedade litigiosa hoje, não é virando apenas uma chave que amanhã essa realidade vai mudar. Vai mudar com o tempo. Isso está sim ocorrendo. 

6 - O senhor foi gestor do Programa Trabalho Seguro em Santa Catarina no biênio 2014/15. Com base nos processos que relatou de lá para cá, é possível constatar um avanço na prevenção?

Olha, eu penso que sim. Em 2022, foram 46 mil acidentes de trabalho em Santa Catarina, número que já chegou a 51 mil. Embora  os nossos números talvez não sejam ideais - a estimativa de subnotificações, aliás, foi de 23% em 2022, - o empreendedor, o empresário, passou a perceber que aquele valor aplicado na segurança é, na verdade, um investimento. A partir do momento em que o acidente não ocorre, e é difícil de fazer essa avaliação, na verdade temos um investimento, um ganho real. Se comparar há 30 anos, quando eu ainda estava na advocacia, e nos primeiros anos de Judiciário, as empresas estão muito mais organizadas. Isso inclusive passa pela segurança do trabalho. 

É claro que sempre tem aquele pequeno empregador, o pequeno empresário que tem dificuldades, sabemos disso. Mas, de qualquer forma, se o acidente ocorrer, ele vai responder igual. Então, guardadas as proporções, a pequena empresa tem que fazer esse investimento também, para que não ocorra um dano maior, com prejuízo para o próprio empreendedor, para o seu negócio e para toda a Previdência Social, ou seja, para a sociedade como um todo. E, claro, para as famílias, muitas vezes desajustadas em função do acidente de trabalho que poderia ter sido evitado.

7 - Vamos falar um pouco sobre reforma trabalhista. Um dos argumentos dos defensores do projeto era o de que, ao estipular a sucumbência para o trabalhador, haveria uma queda nas chamadas “aventuras processuais”, ou seja, quando os pedidos feitos pelas partes na ação são completamente fora de órbita, sem chances de provimento. Passados sete anos, as aventuras diminuíram?

​​homem de terno sentado em sofá escuro tem semblante sério
"Primeiramente, cabe um parênteses: é muito difícil falar em aventura processual"

Primeiramente, cabe um parênteses: é muito difícil falar em aventura processual. Na verdade, pedidos considerados aventureiros, por assim se dizer, não são a regra, nunca foram. Mas claro que eles eram sentidos. A sucumbência vai no sentido de valorização, eu entendo, porque há uma tendência natural de se utilizar em excesso aquilo que não tem custo, nós sabemos disso. Mas claro que, em última instância, alguém está pagando por isso. Então, nesse sentido, a sucumbência me parece interessante. 

Eu mesmo por muito tempo deferi a sucumbência como forma de valorização do advogado trabalhista, porque somente o advogado trabalhista não tinha sucumbência, uma coisa que não fazia nenhum sentido. Houve uma moralização? Eu acredito que houve, mas não que existisse uma desmoralização, assim, acintosa. Mas houve sim um maior cuidado, inclusive com relação ao pedido mensurado de forma liquidada nos autos, que passou a ser exigido. Esse somatório de fatores acabou melhorando a qualidade do peticionamento. Então, acredito que nesse ponto evoluímos. 

8 - Os críticos da reforma, por sua vez, alertavam para para uma possível precarização do trabalho formal, tendo em vista que direitos foram, segundo eles, mitigados pelo texto legal. Sob a ótica do julgador, foi possível verificar isso na prática?

Houve uma certa mitigação, não há como negar. Existem situações que houve, claramente, corte aos direitos trabalhistas. Outras questões, que estavam somente no âmbito da jurisprudência, foram regulamentadas pela própria reforma. Então, a reforma trabalhista tem pontos positivos e pontos negativos. Como tudo na vida, nada é tão bom e tão ruim assim. 

"O que acontece é que o mundo do trabalho está mudando e não só aqui no Brasil, mas em todo o planeta. Então, a busca é por esse ponto de equilíbrio: o que nós precisamos ainda resguardar, onde precisamos avançar? Hoje falamos de trabalho remoto, trabalho por meio de plataformas. É um outro mundo do trabalho.  E o direito é assim mesmo, seja do Trabalho ou qualquer outro ramo: precisa, vez por outra, passar por discussões e reflexões necessárias." 

9 - O senhor tem dito que pretende, em sua gestão, avançar no uso da tecnologia não apenas para melhorar a prestação da Justiça, mas também para aprimorar a forma de se trabalhar. Já tem algum projeto em mente para colocar essa sua intenção em prática?

Quando falamos em fazer bom uso da tecnologia, significa que é um processo, não um projeto único. Isso se desenvolve não só aqui, mas via CSJT, via Tribunal Superior do Trabalho, Conselho Nacional de Justiça, o STF. É um conjunto de ações e um processo de renovação. Nós sabemos que a tecnologia é importante no avanço, assim como a segurança na tecnologia. Tudo isso tem um custo e o trajeto tem que ser progressivo, com cuidado. 

As próprias audiências telepresenciais foram um grande passo, estão sendo aperfeiçoadas até hoje e serão cada vez mais. Lembro-me que um colega dizia isso há 20 anos: que chegaria o momento em que o advogado faria a audiência do próprio escritório. 

Agora é preciso solidificar esse processo. Temos algumas notícias de projetos meio futurísticos, mas isso é algo que precisamos tomar muito cuidado. Passa por desenvolvimento de sistemas, por homologação com segurança. Mas, estamos sim, avançando. E agora no nosso tribunal estamos implantando um projeto-piloto de julgamento, uma espécie de plenário virtual, que já existe em alguns outros tribunais. Estamos lançando agora na Terceira Turma, com os cuidados necessários, para ver se realmente é interessante. Se for positivo, expandiremos para as demais turmas. 

10 - O senhor foi coordenador do Comitê de Saúde do tribunal. De forma geral, como está a saúde dos servidores e servidoras?

A saúde é sempre um ponto crucial em qualquer corporação. Para qualquer instituição que saiu da pandemia, especialmente, é um ponto muito sensível. Acredito que todas as instituições e corporações estão preocupadas com isso. Por aqui, estamos muito atentos.

"Os trabalhadores, de modo geral, dão sinais de adoecimento em função da própria mudança do mundo. Vivemos em uma realidade que, comparada a 30, 40, 50 anos atrás, reflete uma sociedade muito mais insegura, de mais incertezas. Algo que se tem hoje, e que levaria talvez algumas décadas para mudar, se transforma em questão de seis meses ou um ano. É tudo muito rápido. Isso, claro, traz uma ansiedade e um adoecimento de modo geral."

No próximo mês teremos o Janeiro Branco, que trata justamente da saúde mental. Temos que ter essa responsabilidade de não exigir mais das pessoas do que aquilo que elas podem nos entregar, sob pena de adoecimento. A tecnologia deve ser utilizada para o bem do ser humano, das instituições, da evolução humana, sempre com cuidado, procurando respeitar o limite e a individualidade de cada um.

11 - O senhor também foi coordenador regional do PJe aqui em Santa Catarina. É fato que hoje o sistema está mais robusto, tendo recebido inúmeras melhorias nos últimos anos. No entanto, ainda persiste a queixa de que toda a vez que muda a versão, ele acaba sofrendo instabilidades. Como melhorar essa situação?


A modernização do PJe é necessária. Quando você muda uma versão, ela passa por um sistema de homologação em que são verificadas eventuais inconsistências. Muitas vezes essas versões não são utilizadas no primeiro momento, voltam para o laboratório, por assim se dizer, para aperfeiçoamento. Mas, mesmo com todos esses cuidados, sempre corremos o risco de alguns impactos. 

No entanto, se formos ficar esperando o arredondamento 100%, a evolução acaba não acontecendo. Então, o que acontece é que, muitas vezes, sabedores dos riscos - todos calculados - nós temos que lançar a versão, mesmo porque o CSJT nos dá uma data-limite. E logo após o lançamento, buscar as correções necessárias, pois muitos impactos não aparecem na homologação e são sentidos quando ela entra em operação. Quando isso acontece, temos atuado rapidamente junto a TI para divulgar desde logo as inconsistências, de forma a preservar o direito de todos.


12 - E sobre essa onda de inovação que está invadindo os tribunais? Veio para ficar?

homem de terno sorrindo sentado em um sofá escuro. atrás, uma parede de madeira
"Inovação é o que nos faz, de fato, caminhar"

Eu penso que sim. A inovação é o que nos faz, de fato, caminhar. Temos aqui o nosso Labinova, sob o comando da desembargadora Mari Eleda, que é muito bom. Muitas boas ideias têm nascido aqui, temos realizado vários eventos, como o Inova JT Summit, em junho passado, de âmbito nacional e com participantes dos 24 tribunais do trabalho. E tem que ser assim. Se não pensarmos em inovação cotidianamente, ficaremos parados no tempo e seremos superados pela evolução natural do mundo lá fora.

"Uma das dificuldades do serviço público é justamente acompanhar o que acontece fora de suas quatro paredes. Nós temos um ritmo necessariamente mais lento por estarmos restritos aos princípios da legalidade, da transparência, devendo fazer bom uso do dinheiro público. O Labinova traz esses projetos, a gente aprova, discute, repassa para o âmbito nacional e eles acabam distribuídos para todos os tribunais. Muita coisa boa já saiu do nosso Labinova e continuará a sair, com certeza."
 


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