Restringir a liberdade não é a única forma de escravizar um trabalhador, explica especialista

Daniela Muller, juíza do TRT-RJ, foi palestrante no primeiro evento do Programa de Enfrentamento ao Trabalho Escravo do TRT-SC

24/05/2024 15h04, atualizada em 28/05/2024 17h24
Luciano Nunes

O trabalho em condições análogas à de escravo vai além do cerceamento da liberdade e, para combatê-lo efetivamente, é fundamental entender as diversas nuances de suas manifestações atuais. A reflexão foi feita pela juíza Daniela Valle da Rocha Muller, do TRT da 1ª Região (RJ), durante evento realizado nesta sexta-feira (24/5) pelo Programa de Enfrentamento ao Trabalho Escravo e ao Tráfico de Pessoas e de Proteção do Trabalho do Migrante (PETE+) em parceria com a Escola Judicial (Ejud-12) do TRT-SC.

Daniela Muller, gestora nacional do Programa de Enfrentamento ao Trabalho Escravo, abriu sua exposição com um panorama histórico sobre o problema no país. Ela argumentou que, apesar de transformações legais e sociais, resquícios de práticas escravistas coloniais ainda permeiam as relações em solo brasileiro.

Barreiras

A magistrada também explorou as barreiras para enfrentar o problema, destacando entre elas a dificuldade em definir o trabalho escravo contemporâneo e a frequente impunidade dos infratores.

"É desafiador estabelecer claramente o que constitui trabalho escravo contemporâneo, mas é essencial que reconheçamos a linha abaixo da qual nenhuma condição de trabalho deve ser aceitável", afirmou.

Daniela Muller ainda enfatizou a necessidade de uma interpretação jurídica mais abrangente, que reconheça não apenas o cerceamento da liberdade, mas também as condições degradantes e as jornadas exaustivas como elementos do trabalho escravo.

"A erradicação do trabalho em condições análogas à de escravo, no tempo presente, depende não apenas de boas normas jurídicas que proíbam a prática”, ressaltou. "A solução também envolve entender como preconceitos raciais e visões eurocêntricas, que muitas vezes consideram certos grupos sociais como inferiores, estão embutidos na nossa cultura e contribuem para a degradação e exploração de algumas pessoas", concluiu a magistrada.

Ações do MTE e do MPT

Foto de duas mulheres e um homem sentados em uma mesa no palco de um auditório
A partir da esq.: auditora Aline Reis, desembargadora Quézia Gonzalez e auditor José Marcelino

Em seguida, os auditores fiscais do trabalho Aline Fernandes Reis e José Weyne Nunes Marcelino, ambos do Ministério de Trabalho e Emprego (MTE), falaram sobre a política de combate ao trabalho análogo ao de escravo no âmbito do MTE. De acordo com os auditores, o trabalho realizado na instituição é baseado na Instrução Normativa 2/2021 e no recebimento de denúncias, que devem ser feitas através do Sistema Ipê - Trabalho Escravo.

“Através do Sistema Ipê, as denúncias são recebidas em um formato padrão e, após análise, são direcionadas às equipes móveis de auditores para agirem diretamente nos casos”, explicou Marcelino.

O procurador do Trabalho Acir Alfredo Hack relatou os casos de luta sobre o tema enfrentados pelo Ministério Público do Trabalho de Santa Catarina (MPT-SC). Ele destacou que, entre as condições análogas à de escravo, a que mais é encontrada em Santa Catarina é a “condição degradante”, que é qualquer forma de negação da dignidade humana, como por exemplo, a violação de proteção do trabalho e de segurança, higiene e saúde.

“O principal papel do MPT é agir diretamente para a regularização do empregador, determinando que ele pague as verbas rescisórias devidas e as despesas para que o trabalhador retorne à sua cidade de origem”, esclarece o procurador.

Abertura

Este foi o primeiro evento do Programa de Enfrentamento ao Trabalho Escravo desde a sua instituição na Justiça do Trabalho de Santa Catarina, em fevereiro deste ano.

A mesa de abertura foi composta pelos desembargadores Quézia de Araújo Duarte Nieves Gonzalez, diretora da Ejud-12 e vice-presidente do TRT-SC; Roberto Luiz Guglielmetto, coordenador estadual do Fórum Nacional do Poder Judiciário para o Combate ao Trabalho em Condições Análogas à de Escravo e ao Tráfico de Pessoas (FONTET); e Reinaldo Branco de Moraes, gestor estadual do PETE+.

Em suas falas, Quézia Gonzalez e Guglielmetto enfatizaram a relevância do evento para a conscientização sobre o tema. Moraes, por sua vez, agradeceu a oportunidade de debater e compartilhar expectativas sobre os objetivos do Programa, além de enaltecer o auxílio da juíza do trabalho Ângela Konrath, também gestora do PETE+ em Santa Catarina.

Também foram realizadas oficinas práticas com magistrados e magistradas, com mediação da juíza Daniela Muller. O encontro foi encerrado pelos desembargadores Roberto Guglielmetto e Reinaldo Branco de Moraes.

 

Texto: Carlos Nogueira e Priscila Tavares
Secretaria de Comunicação Social
Divisão de Redação, Criação e Assessoria de Imprensa
(48) 3216-4303 / 4320 - secom@trt12.jus.br

Leia Também: