“É preciso enxergar as diferenças para alcançar a igualdade de fato”, afirma promotora de justiça

Para Lívia Vaz, cuja palestra abriu o ano letivo da Escola Judicial, uma “Justiça de olhos vendados” não consegue avançar rumo à equidade de gênero

21/03/2025 17h29, atualizada em 21/03/2025 19h06
Fotos: Clayton Wosgrau

A Escola Judicial (Ejud) do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região (TRT-SC) deu início ao seu ano letivo, nesta sexta-feira (21/3), com uma palestra sobre equidade de gênero a partir de uma perspectiva interseccional. A convidada foi a promotora de justiça Lívia Sant’Anna Vaz, do Ministério Público da Bahia (MP-BA). O evento foi realizado na sede do tribunal em Florianópolis, com transmissão ao vivo para cerca de 150 participantes inscritos (de forma presencial e on-line), e integrou as ações do tribunal relativas ao Mês da Mulher.

Lívia Vaz iniciou sua exposição enfatizando que muitas pessoas ainda encaram os temas de equidade de gênero, raça e de combate à LGBTfobia como identitários “quando na verdade eles são temas referentes à democracia, uma democracia que ainda não alcançamos”. Prova dessa não realização plena da democracia brasileira, segundo ela, é a ausência notória dessas pessoas em espaços de poder.

De acordo com a promotora, essa ausência, "que se faz tão presente", gera problemas que impactam diretamente essas populações invisibilizadas. “Se você não conhece as diferenças entre as pessoas, você não consegue desenvolver empatia”, afirmou. Ela criticou a permanência de uma visão de “sujeito universal” na sociedade brasileira, uma concepção que reforça o colonialismo centrado na etnia branca, de raízes europeias e no gênero masculino, ou seja, reafirma o conceito de que o homem branco heterossexual oriundo de países europeus seria o padrão universal de “pessoa” a ser seguido.

 

Mulher negra, em pé, vestindo terno bege com colar de buzios, fala ao microfone dentro de um auditório
Lívia Vaz: equidade de gênero, raça e diversidade é mais uma questão sobre democracia do que de identidade

 

Justiça pluriversal

Em contraposição a esta concepção excludente, Lívia Vaz trouxe o conceito de pluriversalidade criado pelo filósofo sul-africano Mogobe Ramose, que propõe o reconhecimento do mundo a partir da diversidade de experiências e ideias que o constituem. Dentro desta lógica, “uma Justiça de olhos vendados não consegue avançar muito mais além do status quo”, provocou a promotora. Portanto, é preciso enxergar as diferenças a fim de se alcançar a igualdade de fato: é preciso, então, uma justiça pluriversal.

Como possíveis caminhos institucionais para a promoção da inclusão de raça e de gênero no Judiciário, Lívia sugeriu estratégias como uma maior presença de questões relativas a direitos humanos nas provas de concurso para as instituições, cursos sobre o assunto para os ingressantes, além da manutenção obrigatória de formação continuada nos temas étnico-raciais e de gênero.

 

Plateia de cerca de 30 pessoas observam o que parece ser um telão, dentro de um auditório
Evento aconteceu na sala de sessões do Tribunal Pleno, com transmissão pela internet

 

“Como se fosse da família”


“Vocês já ouviram essa história de ‘é como se fosse da família’, não é mesmo? Mas é como se fosse da família, mas não herda os bens dessa família. É como se fosse da família, mas não se senta na mesma mesa dessa família para fazer as refeições. É como se fosse da família, mas não estuda nos mesmos colégios que os filhos biológicos”, ironizou a palestrante, ao lembrar que a aprovação da lei que regulamentou as relações entre empregadores e empregados domésticos só foi aprovada em 2013.

A chamada “Lei das Domésticas” teve reflexos diretos sobre o contingente de trabalhadoras negras do país. A promotora destacou a importância da ação da Justiça do Trabalho na proteção e promoção desses direitos. Ela lembrou ainda que “o ambiente de trabalho é um ambiente que reproduz as violências do contexto social, trazendo uma série de imposições sobre as mulheres, até mesmo, estéticas”.

Como exemplo dessa discriminação, em 2023 o TRT-SC condenou uma empresa de cosméticos de Florianópolis a pagar uma indenização de R$ 10 mil a uma funcionária negra, cujos cabelos foram objeto de repetidos comentários depreciativos por parte de sua chefe. 

 

Homem de terno escuro fala em púlpito, sendo observado por seis mulheres sentadas em uma fileira de assentos
Desembargador Amarildo de Lima: tópico sobre direitos das mulheres segue sendo oportuno

 


Relacionamentos têm que ser regados
 

Em sua saudação inicial, o presidente do TRT-SC, desembargador Amarildo Carlos de Lima, declarou estar muito contente em ver o desenvolvimento da Escola nos últimos 20 anos. Em 2025, a instituição completa duas décadas de atuação e celebra esta história por meio do seu eixo temático do ano: “20 anos de Ejud-12, fortalecendo laços, revisitando temas e debatendo inquietações contemporâneas”.

O presidente ressaltou as atividades promovidas no Mês da Mulher - como a abertura da exposição “Espelho Meu” e a roda de conversa entre mulheres que trabalham no TRT-SC, realizada no dia 14 de março. Amarildo de Lima frisou como o tópico dos direitos das mulheres segue sendo oportuno, apesar da falsa impressão de que já muito se fala sobre o tema. “Relacionamentos têm que ser regados, assim como a democracia tem que ser lembrada, de tudo o que foi feito para chegarmos até aqui. O mesmo vale para a luta das mulheres”, afirmou o desembargador.

A vice-presidente do TRT-SC e diretora da Ejud-12, desembargadora Quézia de Araújo Duarte Nieves Gonzalez, destacou que desde o ano passado a Escola já tinha o desejo de contar com a presença da promotora para uma atividade formativa. A desembargadora também lembrou o público sobre as atividades que estão ocorrendo no tribunal, como a campanha solidária em prol das mulheres vítimas de violência doméstica. É possível contribuir com doações até o dia 31 de março.

 

Texto: Camila Collato
Secretaria de Comunicação Social - TRT/SC
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