Casos envolveram ofensas racistas explícitas, exigência discriminatória sobre cabelo e omissão no socorro a funcionária negra com queimadura
O Dia Nacional de Combate à Discriminação Racial é celebrado nesta quinta-feira (3/7). A data faz referência à promulgação da Lei nº 1.390/1951, primeira a tratar sobre o tema no Brasil. Mais de 70 anos depois, o país ainda enfrenta desafios para superar as desigualdades raciais em diversos âmbitos – inclusive no mundo do trabalho.
A realidade se revela nas estatísticas. Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD/IBGE), entre 2012 e 2023 pessoas negras receberam, em média, apenas 58,3% dos salários pagos a pessoas brancas. A informalidade também reflete essa desigualdade: segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), em 2022, 62% dos brasileiros situados no mercado informal eram negros.
Na Justiça do Trabalho de Santa Catarina, três decisões recentes ajudam a lançar luz sobre esse cenário. Proferidas entre maio e junho de 2025, elas mostram que a discriminação racial se manifesta tanto de forma explícita quanto disfarçada. Em comum, os casos envolvem trabalhadoras negras e dois deles foram julgados pelo segundo grau sob a ótica do Protocolo para Julgamento com Perspectiva Racial, elaborado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em 2024.
“Volta pra favela”: insulto e omissão
Em São José, na Grande Florianópolis, uma auxiliar operacional de uma empresa do ramo de terceirização relatou ter sido alvo de ofensas constantes por parte dos supervisores. Além de xingamentos gordofóbicos e homofóbicos, ela era chamada de “neguinha chata” e ouvia que deveria “voltar para a favela de onde veio”.
Segundo testemunha ouvida no processo, os insultos eram feitos na frente de toda a equipe e chegaram a envolver ataques ao relacionamento da autora com outra colega. Em um dos episódios mais extremos, ambas foram chamadas de “macacas”. No primeiro grau, a juíza Mariana Antunes da Cruz Laus, da 3ª Vara do Trabalho do município, reconheceu a veracidade dos relatos e fixou indenização por danos morais no valor de R$ 12 mil.
A empresa recorreu, pedindo a exclusão da condenação ou a redução do valor, sob o argumento de inconsistência nos depoimentos. No entanto, a 5ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região (TRT-SC) manteve o entendimento do juízo de origem, seguindo o voto do relator, desembargador Cesar Luiz Pasold Júnior.
“Sabe-se que o Brasil herdou como legado do sistema escravagista o racismo estrutural, o qual consiste na existência de condutas discriminatórias enraizadas na sociedade, integrando a sua cultura e constituindo um obstáculo para a ascensão dos negros”, afirmou o magistrado no acórdão.
Discriminação sem gritos
Em Criciúma, no Sul do estado, outra trabalhadora negra – operadora de máquina a laser em uma indústria têxtil – foi advertida de forma escrita por manter os cabelos “afro” trançados soltos durante o expediente. O detalhe é que, no mesmo momento, colegas brancas com os cabelos igualmente à mostra não receberam qualquer advertência. O episódio de discriminação racial foi confirmado por um colega da trabalhadora, ouvido como informante na 3ª Vara do Trabalho do município.
Além disso, no mesmo processo, vieram à tona outras práticas nocivas adotadas pela empresa: o acesso aos banheiros era controlado pelos superiores, com os trincos das portas sendo retirados para que permanecessem abertas, permitindo a vigilância sobre os funcionários. Pelo conjunto de práticas, a juíza Julieta Elizabeth Correia de Malfussi, responsável pelo caso na 3ª VT, fixou a indenização por danos morais em R$ 30 mil.
A empresa recorreu. No entanto, ao analisar o recurso, a 2ª Turma do tribunal manteve o entendimento de que houve discriminação racial, ainda que sem ofensas diretas.
O relator do acórdão, desembargador Roberto Basilone Leite, destacou que esse tipo de conduta, por vezes silenciosa, expressa formas de preconceito igualmente graves: “É sabido que nosso país herdou [...] o racismo estrutural. Tal conceito refere-se à prática de condutas discriminatórias, muitas vezes veladas e silenciosas, em razão dos pensamentos racistas enraizados na sociedade”.
Embora tenha mantido o reconhecimento do dano moral, a 2ª Turma do TRT-SC ajustou o valor para R$ 15 mil, levando em conta o salário da autora à época, em torno de R$ 3 mil. A decisão foi publicada em 3 de junho e não cabe mais recurso.
Omissão e diferença de tratamento
Também em Criciúma, desta vez na 2ª Vara do Trabalho, uma balconista de padaria de um supermercado sofreu uma queimadura no antebraço enquanto atuava em uma função para a qual não tinha recebido treinamento. Apesar da lesão visível e dolorosa, a trabalhadora não foi encaminhada à enfermaria nem recebeu atendimento.
Diante da omissão patronal, a mulher procurou a Justiça do Trabalho. No processo, uma testemunha relatou que outras funcionárias brancas foram tratadas com mais cuidado em situações semelhantes, recebendo medicação e liberação do serviço. No entanto, no caso da autora e de outra colega negra também acidentada, isso não ocorreu.
A juíza Rafaella Messina Ramos de Oliveira entendeu que houve discriminação racial durante o episódio, mesmo sem declarações explícitas. Para ela, a conduta da empresa violou os princípios da dignidade da pessoa humana e da isonomia, além de contrariar a Lei de Combate à Discriminação no Trabalho (nº 9.029/95). A indenização foi fixada em R$ 10 mil por danos morais, com adicional de R$ 1 mil por dano estético decorrente da cicatriz da queimadura.
Processos citados:
0001271-18.2023.5.12.0054
0000026-32.2024.5.12.0055
0000575-29.2024.5.12.0027
Texto: Carlos Nogueira
Secretaria de Comunicação Social do TRT-SC
Divisão de Redação, Criação e Assessoria de Imprensa
secom@trt12.jus.br