Artigo - Novo CPC – para quê simplificar, se pode complicar…

por José Lucio Munhoz

03/11/2014 13h35

A luta de boa parte da magistratura sempre foi pela simplificação dos aspectos relacionados à Justiça e ao processo. Realizamos campanhas e apresentamos diversas propostas legislativas nesse sentido, que em boa parte é o desejo de todos.

Com base nesse histórico, havia grande expectativa de que o novo CPC (Código de Processo Civil) em discussão no Congresso Nacional, avançasse nesse caminho, facilitando os trâmites processuais, eliminasse procedimentos desnecessários e permitisse maior facilidade e celeridade no trato dos temas em análise no processo judicial, de modo que o juiz pudesse decidir o que realmente interessa para o caso, que é o mérito da demanda.

Esperávamos que o novo CPC atacasse tais expedientes procrastinatórios, para permitir que a decisão pudesse ir logo para o âmago do litígio entre as partes, resolvendo o mérito da discussão, sem perder tempo com questões menores e que não pudessem afetar efetivamente a razão de ser da própria Justiça, que é dizer como se aplica o Direito àquele caso concreto.

Nada angustia mais a parte que sabe ter o direito ao seu lado, mas vê que ele acaba sendo deixado de ser aplicado pela decisão judicial (ou tem sua aplicação retarda ao máximo), por conta de aspectos procedimentais e/ou processuais.

No processo do trabalho existem aspectos interessantes nesse campo e, não por acaso, o torna um dos processos mais céleres do nosso ordenamento jurídico. Podemos destacar que o pedido deve conter apenas a breve exposição dos fatos (art. 840 da CLT), a sentença deverá ter pequenos aspectos formais (art. 832), no sumaríssimo a decisão deve ter somente o resumo dos fatos que tenham relevância e se dispensa até o relatório (art. 852, I), o juiz tem ampla liberdade e pode adotar qualquer medida para acelerar o processo (art. 765), entre outros.

No entanto, o novo CPC só não avançou nesse caminho de simplificação como, ao contrário, poderá significar grande retrocesso nessa linha, permitindo a procrastinação, incidentes procedimentais desnecessários e dotando o processo de formalismo exagerado, o que permitirá ainda mais recursos e retardamento da decisão final.

Nesse espaço apreciaremos apenas um dos temas previstos na proposta legislativa e que, antevemos, trará grande transtorno ao processo judicial (previstos nos arts. 10 e 499): a obrigação do juiz apreciar todas as matérias e fundamentos apresentados pelas partes e, ainda, impedindo a sentença de decidir adotando fundamento diverso daquele trazido por elas, sem previamente ouvi-las a respeito.

Assim, se a inicial indicar 20 artigos de lei a “fundamentar” o pedido, ainda que sem relevância concreta alguma, o juiz terá de explicar a razão de deixar de aplicar cada um deles, sob pena da decisão ser nula, por ausência de “fundamento”.  E isso vale também para as decisões interlocutórias (aquelas no curso do processo, que deveria apenas orientar seu andamento). E isso não é só para artigos de lei, valendo a regra inclusive para qualquer “argumento” utilizado pela parte.

Simples, portanto, antever que as decisões serão mais formais, extensas e facilmente atacadas (e anuladas!) por recursos, eis que qualquer matéria não enfrentada – ainda que completamente inútil para o caso – poderá gerar a nulidade e, com isso, mais demora, formalismo e atrasos.

Também o juiz fica impedido de decidir o caso aplicando qualquer argumento sem que as partes, sobre ele, tenham se manifestado. Isso significa que se o juiz for fixar a reparação do dano moral pela regra da lei das comunicações (não referida pelos litigantes), ele terá de interromper o julgamento, intimar as partes e chamá-las a se manifestar sobre isso. Se o juiz for determinar a correção monetária do direito com base em alguma regra (tema que os advogados dificilmente discutem no processo), terá de reabrir o julgamento para que as partes se pronunciem sobre isso.

Formalismo desnecessário, demoras, nulidades, injustiça. O novo CPC representará a abertura de um canal legal para permitir a chicana processual e a procrastinação. Basta o devedor elencar na defesa 200 teses/argumentos e o juiz terá de rebater todos eles.

Os tribunais geralmente analisam o conjunto da decisão para compreender se o julgamento teve fundamento suficiente, o que já se mostra adequado para a nossa realidade. Com a nova lei, criam-se dificuldades e perde-se uma ótima oportunidade de avanço.

Ao menos nos processos trabalhistas tais regras são inaplicáveis, por incompatíveis com os nossos princípios. Mas isso não elimina nosso sentimento de pena quanto ao dano que se estará produzindo em face do processo civil e das pessoas que dele necessitam.
 

 

José Lucio Munhoz é Juiz Titular da 3ª Vara do Trabalho de Blumenau, SC, mestre em Direito pela Universidade de Lisboa, bacharel pelo Mackenzie,  foi Conselheiro do CNJ na composição 2011/2013, Vice-Presidente da AMB em 2008/2010 e Presidente da AMATRA-SP em 2004/2006.
 

Fonte: Justificando

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