"A sociedade precisa ser mais autônoma para resolver seus próprios conflitos"

Confira a entrevista com a juíza Marta Fabre, que completou, na sexta-feira (17), uma semana à frente da Presidência do TRT/SC

16/10/2008 17h42

A juíza Marta Villalba Falcão Fabre tomou posse no último dia 10 de outubro no cargo de presidente do Tribunal Regional do Trabalho de Santa Catarina (TRT/SC). A magistrada foi eleita por maioria de votos em sessão administrativa extraordinária do Tribunal Pleno que aconteceu no dia 29. Ela terá a responsabilidade de completar o mandato do juiz Marcus Pina Mugnaini, que faleceu no mês passado vítima de enfarte, seguindo no cargo até dezembro de 2009, final da administração da qual fazia parte como corregedora.

Em entrevista concedida ao In Vigilando, a nova presidente disse que para não acredita em "milagre" para desafogar o Judiciário Trabalhista. Na opinião dela, é preciso haver uma mudança de cultura na sociedade, que precisa ser mais autônoma para resolver os próprios conflitos.

Ela adiantou que os projetos em andamento, como o Planejamento Estratégico e as Melhorias de Rotinas da Primeira Instância, devem ser mantidos. “Nos direitos público e administrativo nós temos o princípio da continuidade. Assim, darei prosseguimento aos projetos institucionais, só que sob a minha ótica administrativa”, diz a magistrada.
 

juíza Marta M V Fabre

Há quem diga que a senhora acabou sacrificando um possível mandato completo, já que poderia ter esperado para concorrer à Presidência no final desta gestão, em dezembro de 2009. Porque que a senhora resolveu concorrer agora?

Eu não considero nenhum sacrifício. Fiz concurso para juíza e o meu foco sempre foi o meu trabalho, nunca trabalhei pensando nos cargos da administração, a não ser como um dever. A eleição de alguém é uma escolha dos outros e não da pessoa que é escolhida, por meio da qual se deposita a confiança para ocupar determinado cargo. Na verdade, eu pratico a não-ação.

A senhora poderia explicar melhor esse princípio da não-ação?

Seria não dispender qualquer esforço contrário ao dos demais, ou seja, eu não faço absolutamente nada que vá contra o esforço dos outros para atingir minhas metas. Naquilo que depender de mim, eu empenho meu esforço, por exemplo, no meu trabalho, mas procuro sempre não empreender esforço contrário ao dos outros para seguir em frente e realizar o que acho que devo. Isso é a não-ação.

Que pode ser traduzida como convergência de esforços?

Não exatamente. Os esforços que vierem ao meu encontro eu os recebo. Quanto ao fato de ser um mandato de um ano, dois anos, ou três meses, isso não é importante para mim, nem nesse ou em qualquer outro momento da minha carreira. Eu sempre penso na Instituição. Poderia ter um mandato de dois anos? Penso que sim, que poderia ter a aceitação dos meus colegas para um mandato de dois anos mais tarde. Mas se esse é o momento que a instituição quer que eu esteja na Presidência, é esse o momento em que eu deverei estar lá.

E sobre a responsabilidade de substituir o juiz Marcus Pina? Ele tinha uma ligação muito forte com os servidores, se dizia “um dos nossos” e parecia isso mesmo. Isso passa pela cabeça da senhora?

Eu considero que o Juiz Marcus era uma pessoa única, portanto, eu não vou substituí-lo. Eu vou exercer a Presidência que está vaga. Portanto, pela pessoa especial que ele era não tenho a pretensão de substituí-lo. Eu apenas vou ocupar um cargo de gestão que está vago, ao qual darei o meu melhor, inclusive em relação aos servidores. Darei o meu melhor quanto aos projetos institucionais que já estavam sendo empreendidos pelo Juiz Marcus. São ótimos e eu já os estava acompanhando. Eu participei do projeto de melhorias das rotinas de 1ª instância e este é um dos projetos que deve prosseguir. Acredito que no direito público devemos perseguir o princípio da continuidade. A única diferença é que pretendo continuá-los sob a minha ótica administrativa.

Na corregedoria a senhora teve uma forma de atuar que buscava mais o apoio às unidades do que propriamente a fiscalização tradicional. Isso gerou algumas críticas, já que aquelas unidades com melhor desempenho se sentiram niveladas àquelas com desempenho a desejar. Como a senhora analisa isso?

Eu acho que o trabalho tem que ser contributivo e solidário e que o trabalho na unidade judiciária é de todos. Eu respondo muito bem a críticas. E a essa crítica de que eu não cobrava ou não elogiava eu respondo o seguinte: na minha visão, Corregedor não elogia, nem deprecia. Corregedor quando encontra os problemas deve apontar as soluções possíveis. E é evidente que, no momento em que apontamos problemas no processo, automaticamente, existe a fiscalização. Por isso acho que essa crítica de que não havia fiscalização não procede. As atas correicionais estão aí para confirmar isso. Todos os processos em que encontrei subversão da ordem processual eram listados. A diferença é que, paralelamente, apontamos a solução.

Então, a crítica que talvez preceda é a de que eu não tenho o hábito de elogiar, de depreciar nem de comparar. Eu penso que estamos no caminho para a implantação de indicadores que nos permitirão, inclusive, mudar a imagem do Corregedor, que passará a exercer mais uma função político-judiciária. Uma vez estabelecidos os indicadores, e esse é um projeto que está na mira, as próprias unidades judiciárias irão se auto-avaliar, se auto-regular, sem necessitar de alguém para dizer se estão trabalhando mal ou bem... Nós precisamos de servidores com autocrítica, com crítica construtiva. Precisamos que os próprios servidores se auto-avaliem, mas para isso eles precisam ter a cabeça preparada para refletir. Temos que formar uma cultura da responsabilidade, sem que seja necessário alguém para cobrar resultados, porque é muito mais fácil obedecer do que agir com independência e responsabilidade.

Currículo da juíza Marta

A senhora passou 19 anos na 1ª instância e, além disso, percorreu as varas do trabalho nesse período como corregedora. O que a senhora constatou? Qual a dificuldade básica da 1ª instância?

A dificuldade mais trazida ao corregedor é a falta de servidores. Embora a corregedoria não seja a gestora de recursos humanos, ainda é o órgão mais próximo da primeira instância. Eles estão satisfeitos com a tecnologia, alguns têm insatisfação com o local de trabalho, mas, em geral, os locais de trabalho estão sendo revistos e os espaços são bons, com raras exceções. Mas a principal reclamação, sem dúvida, é a ausência de servidores. Eu particularmente não comungo dessa idéia. Penso que em algumas unidades há sim carência de servidor, mas não em todas. Mais do que aumentar o número de servidores nas VTs, precisamos aprender a gerir os recursos humanos que temos.

Outro fator complicante é a perda de servidores da 1ª para a 2ª instância. O juiz da 1ª instância, muitas vezes, acaba liberando o servidor porque não quer obstruir sua carreira – afinal, em boa parte dos casos, o servidor que está sendo removido recebe uma proposta para exercer uma função comissionada. Gostaria de ouvir a opinião da senhora sobre isso.

É uma questão a ser revista, mas não tenho a solução agora. Preciso ouvir os servidores de todas as áreas envolvidas para poder enfrentar esse problema. Estabelecer critérios para as lotações é uma das minhas metas. Mas, como disse antes, preciso discutir com os servidores das áreas responsáveis.

A execução ainda é o grande gargalo da Justiça do Trabalho. Como resolver esse problema?

Temos algumas soluções que poderão vir do legislativo. Existe um projeto de lei em andamento que é o da certidão negativa de débitos trabalhistas, que o Coleprecor (Colégio de Presidentes e Corregedores da Justiça do Trabalho) acompanha de perto. É um projeto que tem recebido o apoio e o empenho, inclusive do TST, para que seja aprovado.

Como funcionaria, em linhas gerais?

Seria uma certidão dada pela Justiça do Trabalho afirmando que determinada pessoa não possui débitos trabalhistas, de modo a tornar mais segura qualquer negociação dos bens dessa pessoa para que o comprador, por esse meio, não seja envolvido, mais tarde, numa fraude à execução.

Acho que a conciliação, assim como as soluções extrajudiciais dos conflitos também é um caminho bastante útil. Uma pauta de processos em execução sistemática, seja uma vez por mês, uma vez por semana, dependendo da disponibilidade da pauta do juiz é uma experiência em andamento em algumas Unidades Judiciárias. Às vezes, o executado pode não dispor de dez mil reais no momento da citação, mas poderá dispor de cinco parcelas de dois mil. A execução forçada, é sempre mais traumática e, por isso, mais difícil de ser efetivada.

Qual o limite da conciliação para que o trabalhador não se sinta prejudicado e o empregador não se sinta extorquido?

O ideal é que não seja o juiz que defina os limites e sim as partes. Esse é justamente o benefício da conciliação, da mediação ou de qualquer outra solução do conflito que não seja a decisão judicial. São os envolvidos no processo que vão dizer até aonde podem ir.

Várias iniciativas estão sendo tomadas no âmbito nacional para tentar agilizar o processo do trabalho. O Conselho Superior da Justiça do Trabalho está implementando, há dois anos e meio, o Sistema de Gestão Integrada, que em última instância pretende dar uma nova cara à Justiça do Trabalho no país, com processo virtual e uniformização de sistemas de informática e de procedimentos. Aqui no TRT, contamos com a consultoria da Fundação Getúlio Vargas em três projetos: os de melhorias de rotinas de primeira e segunda instâncias e o Planejamento Estratégico. Mas sem uma profunda reforma processual, que diminua o número de recursos e consiga desafogar o Judiciário, qual a real efetividade desses projetos?

A uniformização das rotinas pode trazer mais eficiência à 1ª instância e à 2ª também, porque simplifica o andamento dos processos, retirando deles todas as gorduras, todos os atos que não trazem nenhum valor ao produto final que é a prestação jurisdicional.

Mas também não acredito em milagres. Essas ações são boas se associadas a outras. Embora seja importante ter uma estrutura sólida e bem aparelhada, não acredito vamos funcionar melhor apenas criando mais órgãos judiciais e mais cargos de juízes e de servidores. Essas soluções agem diretamente nos efeitos e o que precisamos é agir nas causas.

E quais são elas?

Hoje existe uma banalização do Poder Judiciário. A tal ponto de duas socialites se desentenderem por um empréstimo de um vestido e trazerem essa banalidade para o Judiciário resolver. Parece-me que para desafogar o Judiciário, mais importante ainda do que uma reforma recursal, é necessário uma mudança cultural, uma mudança da sociedade. Não é só o Judiciário o responsável pela sua morosidade.

A senhora fala na questão do respeito aos contratos?

Sim. Um empregador contrata alguém para trabalhar seis horas, mas exige que trabalhe oito. Um empregado foi contratado para trabalhar para ganhar R$ 1500,00, mas lá pelas tantas afirma que não era bem assim, que era R$ 1800,00. Eu penso que essa cultura de querer tirar vantagem e depois levar o problema para Judiciário solucionar é o que deve mudar.

Nós temos que agir nas causas: na desjudicialização das relações, sejam elas sociais, trabalhistas, econômicas... A sociedade precisa ser mais autônoma para resolver seus conflitos, e isso somente vai acontecer se o direito alheio for respeitado.

O setor empresarial acredita que boa parte do descumprimento dos contratos, por parte dos empresários, se deve ao fato de a CLT já estar um pouco arcaica e não ter mais correlação com a atual realidade sócio-econômica. O que a senhora pensa disso?

Eu tinha uma professora que sempre dizia: “Está tudo no livrinho!”. Era a CLT (risos). A CLT tem realmente boas normas, mas algumas talvez não tenham evoluído de acordo com a dinamização das relações trabalhistas ao longo do tempo. As relações de trabalho mudaram muito. As normas da CLT podem ser aplicadas desde que interpretadas em consonância com as mudanças das relações. O Direito é dinâmico e deve acompanhar a realidade. A CLT, portanto, não tem culpa de nada. Nós, os intérpretes, é que temos de interpretá-la de acordo com às novas relações de trabalho, às demandas trabalhistas atuais, que são diferentes daquelas que existiam quando ela foi concebida.

A própria interpretação dos magistrados passa por esse processo de adaptação e conformação da nova realidade?

Passa, e digo isso porque há uma grande diferença na forma como eu julgava quando eu entrei na magistratura e a forma como eu julgo agora. Nós temos que evoluir. O Direito não pode ficar petrificado, não é uma ciência que se conforma com a sedimentação de idéias.

São cada vez mais notórios os casos de afastamentos no serviço público por depressão, e na Justiça do Trabalho não é diferente. O que que está acontecendo? O que podemos fazer para tentar melhorar esse quadro?

Essa é uma questão preocupante, porque é uma das causas dos afastamentos que abrem os claros (falta de servidores) nas 1ª e 2ª instâncias. Não tenho a resposta pronta, mas penso que uma das causas pode ser a desmotivação do servidor. Nós temos servidores altamente qualificados na Justiça do Trabalho, os concursos são cada vez mais difíceis, a concorrência é cada vez maior, e só são aprovados aqueles que têm uma qualificação realmente invejável. E, às vezes, as atribuições do cargo para o qual se habilitaram não corresponde a expectativa deles.

Há bons salários na Justiça do Trabalho. Em razão disso, as pessoas são atraídas sem se importarem com as atribuições que irão executar pelo resto da vida profissional. É muito importante que as pessoas pensem: estou fazendo um concurso público, para fazer o quê? É isso que eu quero fazer para viver?

Imagine um biólogo altamente qualificado que passe no nosso concurso e tenha que autuar processos! Uma frustração!

Num segundo momento, o que também é humano, os servidores são muito atraídos pelos cargos e funções comissionadas e não existem vagas para todos. Muitas frustrações advém das expectativas não atingidas. Uma frustração mal resolvida pode resultar em um quadro de depressão sério. Mas eu não sou conhecedora dessa matéria, e por isso estou plenamente consciente que devo procurar os especialistas que estão à nossa disposição, no SASER, para discutir o assunto com eles.

 

 

Fonte: Assessoria de Comunicação Social TRT/SC
ascom@trt12.gov.br - (48) 3216.4320

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