Entrevista: no Canadá, acordos coletivos não podem contrariar lei, afirma juíza

25/09/2017 17h02
Juíza  canadense Julie Dutil
Julie Dutil é coordenadora do Tribunal de Apelação de Quebec

A juíza canadense e coordenadora do Tribunal de Apelação de Quebec, Julie Dutil, será uma das atrações do terceiro módulo de estudos da Escola Judicial do TRT-SC, que acontece de quarta a sexta-feira no auditório da Faculdade CESUSC, em Florianópolis (confira a programação). O evento é voltado a magistrados e assessores do Tribunal. A palestra vai abordar como funciona a resolução dos conflitos trabalhistas no Canadá. Confira a entrevista concedida pela magistrada, por e-mail, à Secretaria de Comunicação do TRT-SC.

A legislação trabalhista é aplicada uniformemente no Canadá ou varia de acordo com a província?

O Canadá é uma federação. A jurisdição sobre as relações e as condições de trabalho é compartilhada entre as legislações provinciais e federais, mas a legislação relativa às relações de trabalho é presumivelmente uma questão provincial no âmbito do seu próprio território. Por isso faço um destaque: as respostas às perguntas que você me fez se baseiam principalmente na legislação de Quebec.

O sistema judicial brasileiro é dividido entre a justiça comum e especializada - a Justiça do Trabalho é uma especializada, com juízes exclusivos. Como ocorre essa separação no sistema judicial canadense?

No Canadá é semelhante. Temos tribunais de justiça de jurisdição geral e tribunais especializados em direito trabalhista e outros assuntos. A decisão final de um tribunal do trabalho, mesmo que seja em nível de apelação, é sempre submetida à revisão judicial do Tribunal Superior (primeira instância de jurisdição geral original). Pode se apelar dessa decisão para o Tribunal de Recurso, se a permissão for concedida, e para a Suprema Corte do Canadá, também com a permissão do Tribunal.

Recentemente, o Brasil aprovou uma reforma trabalhista que impõe a prevalência da negociação coletiva sobre a lei. Uma das reclamações, no entanto, é que a maioria dos sindicatos não teria força para negociar com as empresas, comprometendo a legitimidade da negociação. Como isso funciona no Canadá?

O Código do Trabalho de Quebec afirma que os acordos coletivos não podem conter nenhuma disposição contrária à ordem pública ou proibida por lei. Isso exclui qualquer condição de emprego que seja menos vantajosa do que garante as normas mínimas de trabalho aplicáveis a todos os trabalhadores. Além disso, muitas disposições legais são consideradas parte integrante de cada convenção coletiva, mesmo que não explicitadas. Isso inclui disposições relativas ao assédio psicológico e à linguagem das relações trabalhistas (para proteger a língua francesa em Quebec).

No Brasil, a conciliação entre as partes é bastante encorajada como solução para resolver conflitos nos tribunais. No Canadá, esse movimento também é forte? Em caso afirmativo, o país tem obtido bons resultados?

No Canadá, a conciliação ou mediação entre as partes também é fortemente encorajada. Em 1991, um primeiro projeto-piloto de conciliação foi iniciado no Tribunal Superior do Quebec (primeira instância). Na época, o conciliador não era um juiz. Em 1997, no Tribunal de Recurso de Quebec, foi estabelecida uma nova forma de conciliação: a conciliação Judicial. Um juiz age como um conciliador se as partes quiserem. É muito eficiente e muitos casos são resolvidos dessa forma. Foi adotada por todos os tribunais de justiça, em todo o Canadá.

No Tribunal Administrativo do Trabalho de Quebec, com consentimento das partes em relação a uma determinada matéria, o presidente do Tribunal ou um outro membro do Tribunal ou mesmo um membro pessoalmente designado pelo presidente pode pedir a um conciliador para que se encontre com as partes e tente realizar um acordo. A conciliação é usada em todo o Canadá na área do direito trabalhista.

No processo trabalhista brasileiro, quando uma parte pretende atrasar o processo ou prejudica intencionalmente a outra, pode ser punida com multa. Como isso funciona no Canadá?

Os árbitros responsáveis pela resolução de conflitos trabalhistas possuem amplos poderes para executar seus deveres, assim como o Tribunal Administrativo do Trabalho. Esses incluem o poder de coibir abusos de procedimento. Por exemplo, o árbitro, no exercício de suas funções, pode ordenar que uma parte pague multa por danos à outra parte ou pode tomar qualquer decisão destinada a proteger os direitos de ambas as partes.

Da mesma forma, o Tribunal Administrativo do Trabalho de Quebec pode rejeitar sumariamente qualquer matéria que considere imprópria ou dilatória. Uma pessoa que transgride uma ordem do Tribunal Administrativo do Trabalho, ou se recuse a cumpri-la, pode ser condenada à prisão e ainda ter que pagar uma multa que normalmente não excede a 50 mil dólares.

O principal problema da Justiça do Trabalho no Brasil é tentar cobrar a dívida das empresas condenadas, a chamada fase de execução. Somente no Estado de Santa Catarina, dos 71 mil processos com decisão final, 26 mil estão em arquivo provisório, ou seja, foram arquivados após várias tentativas infrutíferas de cobrança. Como funciona a execução no Canadá?

Em Quebec, os desentendimentos relativos à interpretação ou à aplicação de um acordo coletivo são resolvidos mediante arbitragem. A parte pode obter a execução forçada do valor da arbitragem no Tribunal Superior. O mesmo procedimento aplica-se para executar uma decisão proferida pelo Tribunal Administrativo do Trabalho. Posteriormente, a execução forçada ocorre de acordo com as regras gerais estabelecidas no Código de Processo Civil, em virtude do qual o credor pode fazer jus que um oficial de justiça apreenda bem do devedor e o venda em nome da autoridade judicial. Esse processo garante que o credor possa, em muitos casos, cobrar o que é devido a ele.

 

 

 

 


Texto: Carlos Nogueira / Tradução: Rosangela Pereira
Secretaria de Comunicação Social - TRT/SC 
Núcleo de Redação, Criação e Assessoria de Imprensa
(48) 3216-4306 / 4307 /4348 - secom@trt12.jus.br

Leia Também: