Ergonomia deve ir além do posto de trabalho, defendem especialistas

No segundo dia de evento da Escola Judicial, desembargador Homero da Silva e professora Cristiane Lima debateram questões contemporâneas sobre saúde mental

06/06/2024 18h04, atualizada em 06/06/2024 18h51
Fotos: Camila Collato

As abordagens ergonômicas devem ir além da estrutura física do trabalho, integrando as condições organizacionais da empresa e psíquicas dos indivíduos. A reflexão foi feita pelo desembargador Homero Batista Mateus da Silva, do TRT da 2ª Região (SP), e pela professora Cristiane Queiroz Barbeiro Lima em debate no segundo dia do 2º Módulo de Formação Continuada da Escola Judicial (Ejud-12), realizado nesta quinta-feira (6/6) em Joinville.

O eixo central das discussões da Escola ao longo deste ano giram em torno da saúde mental e virtualização da vida no mundo do trabalho.

Doutor e mestre em Direito do Trabalho pela Universidade de São Paulo (USP), Homero Silva iniciou a discussão destacando que a ergonomia não se limita ao mobiliário e ao posto de trabalho, sendo também cognitiva e organizacional. Ele ressaltou a necessidade de tratar o tema de maneira aberta, valorizando a individualidade e as especificidades de cada trabalhador.

Para exemplificar o argumento, o desembargador apresentou uma analogia. Ele questionou as normas atuais que definem limites de peso masculino para transporte de carga (60 kg), uma abordagem genérica que não leva em consideração as capacidades individuais dos trabalhadores.

Perspectiva de gênero

Aprofundando-se no tema, Silva também abordou a perspectiva de gênero, apontando que as exigências e os desafios enfrentados pelas mulheres precisam de reconhecimento ergonômico adequado. Ele enfatizou que o aumento do trabalho remoto exacerbou as disparidades já existentes, principalmente pela persistência da dupla jornada feminina.

"As mulheres frequentemente enfrentam uma carga maior, tendo que equilibrar as responsabilidades profissionais e domésticas, o que amplifica seu sofrimento psíquico", explicou.

Imagem de um mosaico com diversas fotos de um evento realizado em um auditório
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Olhar multidisciplinar

Cristiane Lima, mestre em Engenharia pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli) e também especialista na área de ergonomia, acrescentou uma perspectiva técnica detalhada ao debate. 

Apoiada em normas regulamentadoras (NRs) e por meio de estudo de caso prático realizado em uma instituição bancária, ela demonstrou como a análise multidisciplinar, envolvendo médicos e especialistas em outras áreas, permite uma compreensão mais profunda e eficaz das condições de trabalho.

Um exemplo discutido foi o das pausas espontâneas implementadas para prevenir doenças osteomusculares. Embora benéficas, essas pausas não são eficientes se entrarem em conflito com as exigências das metas estabelecidas pela organização do trabalho. “É fundamental compreender como a estrutura organizacional e as práticas de gestão impactam o bem-estar dos trabalhadores",  concluiu.

Os palestrantes participaram do evento telepresencialmente, enquanto a mediação foi feita de forma presencial pelo juiz do Foro de Joinville Rogério Dias Barbosa, a partir do auditório da Associação Empresarial do município, onde acontece o evento. O 2º Módulo encerra nesta sexta-feira pela manhã com palestra do coordenador nacional do Programa Trabalho Seguro, ministro do TST Alberto Balazeiro.

Tecnologia e sofrimento psicológico

Na quarta-feira (5/6), o professor e pesquisador José Roberto Montes Heloani, da Unicamp, fez uma conferência com o tema "Tecnologia e sofrimento psicológico no mundo do trabalho". Doutor em Psicologia com mestrado em Administração, Heloani dirige suas pesquisas especialmente nas áreas de ética e saúde no e do Trabalho. O juiz Alessandro da Silva, coordenador pedagógico da Ejud-12, realizou a mediação.

O pesquisador desenvolveu projetos em parceria com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) sobre o impacto das tecnologias sobre a saúde mental de magistrados e servidores e considera a questão de extrema relevância no cenário pós-pandemia do coronavírus.

De acordo com Heloani, a adoção massiva das plataformas e ferramentas tecnológicas, acelerada pela pandemia de Covid-19, além de reforçar a sensação de isolamento, exacerbou aspectos ligados à “sociedade do desempenho”, na qual o indivíduo é visto como o único responsável pelos seus êxitos e fracassos. 

Dois homens de terno em pé, sorridentes, posam para foto. Um deles, mais jovem, segura um certificado
Juiz Alessandro da Silva (e) entrega certificado de participação ao professor José Roberto Heloani

“Nova sociedade”

Essa lógica acaba por gerar sentimentos de insuficiência, culpa e ansiedade, e se interconectam com outra característica desta “nova sociedade”, que é a ênfase nas metas e resultados. “Há uma imensa diferença entre metas e trabalho. Resultado é apenas um número, não é trabalho”, diferenciou o conferencista.

O uso da tecnologia também modificou profundamente a relação entre juízes, servidores, advogados e as partes. Heloani exemplificou este ponto a partir das audiências virtuais, na qual um magistrado se vê privado da percepção da linguagem não verbal (por exemplo, a corporal). 

Fim dos tempos mortos

De acordo com o pesquisador, as interações presenciais proporcionam não apenas a captação destas informações sutis que ficam ocultas pelo uso das telas, mas também a manutenção do senso de sociabilidade e de criação de sentido em relação ao próprio trabalho. 

Os chamados “tempos mortos”, segundo o conferencista - o intervalo do café, a conversa com o colega no corredor, a confraternização da equipe - não são um desperdício, mas potencializadores da criatividade. “São tempos fundamentais para que as pessoas se conheçam, troquem experiências e consigam produzir mais”, concluiu.

 

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Texto: Carlos Nogueira e Camila Collato
Secretaria de Comunicação Social 
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